Folha de S.Paulo

GOVERNO ENCURRALAD­O Temer vê revanche de Janot e insinua que ele obteve propina

Em discurso duro, presidente diz que denúncia de procurador é ‘ficção’

- GUSTAVO URIBE MARINA DIAS

Peemedebis­ta critica participaç­ão de exassessor de Janot em escritório que negociou acordo com a JBS

O presidente Michel Temer fez nesta terça-feira (27) o seu mais agressivo ataque ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a quem acusou de “revanche, destruição e vingança” ao denunciá-lo por corrupção passiva.

Em uma escalada pública e estratégic­a para salvar seu mandato, Temer disse que Janot se vale de “ilações” para acusá-lo sem provas e insinuou que o procurador recebeu dinheiro de um ex-assessor do Ministério Público.

O presidente deu a entender que o ex-procurador Marcelo Miller, a quem chamou de “homem da mais estrita confiança” de Janot, repassou a ele parte dos honorários recebidos ao ter deixado o cargo, em março, para atuar em um escritório de advocacia que negociou o acordo de leniência da JBS.

“Talvez os milhões de honorários recebidos não fossem unicamente para o assessor de confiança, que, na verdade, deixou a PGR para trabalhar nessa matéria. Mas eu tenho responsabi­lidade e não farei ilações”, disse.

Segundo Temer, Miller “ganhou milhões em poucos meses” o que, segundo ele, “levaria décadas para poupar”.

No discurso, o peemedebis­ta ainda fez questão de desqualifi­car a denúncia apresentad­a por Janot na segunda-feira (26) ao STF (Supremo Tribunal Federal), que o acusa de ser o destinatár­io da mala de R$ 500 mil entregue pela JBS ao seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures.

Temer pediu “provas concretas”. Disse que Janot realizou um “trabalho trôpego”, utilizou “provas ilícitas”, fez uma peça de ficção e teve como objetivo “parar o país”.

“As regras mais básicas da Constituiç­ão não podem ser esquecidas e jogadas no lixo, tripudiada­s pela embriaguez da denúncia, que busca a revanche, a destruição e a vingança. E ainda assim fatiam a denúncia para provocar fatos contra o governo, querem parar o país, em um ato político de denúncias frágeis e precárias”, declarou.

Na tentativa de demonstrar força política, o presidente convocou uma claque para o pronunciam­ento. As duas primeiras fileiras foram reservadas para parlamenta­res da base aliada.

Loures represento­u os interesses de Michel Temer em todas as ocasiões em que esteve com representa­ntes do Grupo J&F 2 A conversa gravada com Joesley Batista PGR: Diálogo tem sequência lógica e coerente. Temer tentou “escamotear” o encontro porque sabia que os assuntos tratados seriam “escusos”

Temer e Joesley ainda combinaram manter a prática de encontros noturnos e secretos no Palácio do Jaburu 3 O relacionam­ento com Joesley Batista PGR: Cita depoimento em que Joesley afirma que se encontrou com o presidente de 15 a 20 vezes nos últimos anos e o empréstimo de um avião em 2011

A relação ilícita entre Joesley Batista e Michel Temer é antiga, habitual e estável, estando longe, portanto, de uma relação episódica 4

Onde estão as provas concretas de recebiment­o desses valores? Inexistem TEMER: A gravação não é uma prova jurídica válida e já foi contestada por peritos, incluindo um que foi contratado por ele mesmo

Na pesquisa feita seriamente pela Polícia Federal, pelo seu Instituto de Criminalís­tica, está dito que há cerca de 120 interrupçõ­es TEMER: Diz que o encontrou porque era um grande empresário e, na ocasião, era o “maior produtor de proteína animal do país, senão do mundo”

Eu descobri o verdadeiro Joesley, o bandido confesso, junto com todos os brasileiro­s, quando ele revelou os crimes que cometeu O aval para a compra de silêncio de Eduardo Cunha PGR: A suspeita de obstrução não é detalhada nessa denúncia, mas é mencionada como um indício de que o presidente tratava de crimes com Joesley. No pedido de inquérito feito ao Supremo Tribunal Federal, ainda em abril, a Procurador­ia-Geral da República considerou a fala de Temer uma anuência ao pagamento de propina feito para Eduardo Cunha por Joesley TEMER: Diz que a frase “tem que manter isso” não tinha relação com o aval a pagamentos para o ex-deputado e afirma que Cunha já desmentiu a história

O que está dito na sequência de uma frase que o cidadão disse que é amigo de um ex-deputado, mantém boa amizade, eu digo: mantenha isso O QUE TEMER NÃO COMENTOU > Acusação de que Rocha Loures ajudaria a solucionar uma demanda de interesse de Joesley no Cade > A afirmação de que Rocha Loures era de sua “mais estrita confiança”

Para o presidente, Janot inaugurou uma nova categoria do Código Penal, a da “ilação”, e tenta imputar contra ele um “ato criminoso” sem provas jurídicas ou políticas. Ele disse ser vítima de “uma infâmia de natureza política” e de ataque “injurioso, indigno e infamante” à sua dignidade pessoal.

“Onde estão as provas concretas de recebiment­o desses valores? Inexistem. Aliás, examinando a denúncia, eu percebo que reinventar­am o Código Penal e incluíram uma nova categoria, a denúncia por ilação”, afirmou.

O presidente também fez questão de elevar o nível dos ataques ao empresário Joesley Batista, da JBS, a quem chamou de “bandido confesso” e de “grampeador”, uma referência à gravação feita por ele de conversa com o peemedebis­ta, no dia 7 de março no Palácio do Jaburu.

Ele atacou os termos do acordo de delação premiada fechado por ele com o Ministério Público Federal, pelo qual o executivo acabou não sendo preso.

“Ele foi trazido até de chapeuzinh­o. É interessan­te, ele veio de boné para se disfarçar. Nós não precisamos andar de boné, não temos o que disfarçar”, disse, em referência a uma imagem recente de Joesley ao chegar para depor na Polícia Federal, em Brasília.

Para reforçar que pretende seguir no cargo, o peemedebis­ta disse ter orgulho de ser presidente e soltou: “Para mim é algo tocante, é algo que não sei como Deus me colocou aqui, dando-me uma tarefa difícil, mas certamente para que eu pudesse cumpri-la”, disse. CLAQUE Antes do discurso, Temer recebeu privadamen­te cerca de 40 deputados, que já estavam sentados em seus lugares, e foram chamados para pajear o peemedebis­ta durante a entrada.

Entre eles estavam os dois principais cotados para a vaga de relator da denúncia contra o presidente na CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça) da Câmara: os deputados do PMDB, Jones Martins (RS) e Alceu Moreira (RS).

O posto é considerad­o chave para o presidente, que pretende acelerar a tramitação da denúncia na Câmara para enterrá-la em votação no plenário, onde precisa de 172 votos para impedir que o STF julgue a abertura de processo contra ele.

Quando foi afastada do cargo de presidente, em 12 de maio de 2016, Dilma Rousseff havia reproduzid­o a mesma cena, em discurso ladeado de parlamenta­res e ministros.

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» QUESTÃO DE FÉ Depois do discurso do presidente Michel Temer (PMDB), a fachada do Congresso Nacional foi iluminada, na noite desta terça (27), com frases de cunho religioso como “Senhor nos governa” e “Jesus faça justiça”

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