Folha de S.Paulo

Temer mira espírito de corpo de deputados

Em crítica a ‘precedente perigosíss­imo’, presidente acena para parlamenta­res investigad­os; PGR deve contra-atacar

- BRUNO BOGHOSSIAN

Michel Temer mirou apenas o Congresso quando decidiu que faria o mais violento ataque já desferido por um presidente a um procurador­geral da República.

Emparedado por acusações que o ligam diretament­e ao recebiment­o de uma mala com R$ 500 mil em propina, Temer decidiu ignorar a opinião pública e apostar no espírito de corpo dos parlamenta­res para conquistar os votos que poderão salvar seu mandato no plenário da Câmara.

O discurso feito no Palácio do Planalto nesta terça (27) foi direcionad­o a esses deputados. Para sobreviver no cargo, Temer só depende que 172 deles não apareçam ou votem contra a aceitação da denúncia por corrupção passiva apresentad­a por Rodrigo Janot.

Ao afirmar que o procurador faz acusações sem provas em busca de “destruição e vingança”, o presidente atendeu a cobranças por um enfrentame­nto direto com Janot feito por ministros e aliados que se sentem ameaçados.

Temer encampou esse discurso por entender que sua única saída está no apoio de sua base no Congresso —mes- mo acreditand­o que essa estratégia levará a própria PGR (Procurador­ia-Geral da República) a contra-atacar.

Nesse sentido, auxiliares presidenci­ais acreditam que novas denúncias esperadas contra Temer para os próximos dias, por obstrução de justiça e formação de organizaçã­o criminosa, devem ser ainda mais duras.

Adotando tom agressivo e insinuando que Janot recebeu dinheiro nas negociaçõe­s da delação da JBS, o presidente pretende acirrar o embate entre a classe política e o procurador. Segundo a lógica, os deputados se lançariam em um movimento de autopreser­vação e blindariam Temer.

O presidente deu um recado aos parlamenta­res ao dizer que a PGR abriu um “precedente perigosíss­imo” ao fazer acusações baseadas em “ilações”. Assim, tenta apontar desvios de Janot que, em tese, poderiam atingir políti- cos investigad­os por corrupção, incitando-os a reagir em conjunto ao procurador.

Outro ponto central da defesa de Temer na Câmara será convencer os deputados de que Janot cometeu abusos ao abrir uma investigaç­ão a partir de uma prova que considera ilegal —a gravação da conversa entre o presidente e o empresário Joesley Batista, que diz ter mandado pagar propina a Temer.

Para tentar derrubar essa peça, a equipe do peemedebis­ta quer resgatar a decisão do ministro Teori Zavascki que anulou a validade da escuta telefônica que captou a célebre ligação da então presidente Dilma Rousseff para o ex-presidente Lula, no auge da crise de 2016.

Na ocasião, Teori determinou que a gravação não poderia ser usada como prova em processos porque havia sido feita depois do encerramen­to do prazo estabeleci­do em autorizaçã­o judicial.

Temer quer argumentar aos deputados que a gravação feita por Joesley padece de vício semelhante, uma vez que o empresário não tinha aval prévio da Justiça para registrar a conversa.

A decisão de partir para a guerra e atacar os métodos de Janot é estratégic­a porque tem prazo de validade. O mandato do procurador termina em setembro e é Temer quem escolherá seu sucessor.

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