Folha de S.Paulo

ANÁLISE Maior fragilidad­e da denúncia é não traçar a rota do dinheiro

- RUBENS VALENTE

Ao restringir a denúncia de corrupção passiva contra Michel Temer ao recebiment­o de R$ 500 mil pelo ex-assessor Rodrigo Loures, a Procurador­ia-Geral da República deixou exposta a maior fragilidad­e da investigaç­ão: a dificuldad­e de comprovar que o presidente foi o beneficiár­io final ou que solicitou o dinheiro.

O procurador-geral, Rodrigo Janot, afirmou logo no primeiro parágrafo da sua acusação que o presidente “recebeu para si, [...] por intermédio de Rodrigo Santos da Rocha Loures, vantagem indevida de cerca de R$ 500 mil”.

Também fez referência ao “montante espúrio de R$ 500 mil, recebido por Rodrigo Loures para Michel Temer”.

Percebendo esse ponto como fundamenta­l para a denúncia, Temer provocou em discurso no Planalto:

“Onde estão as provas concretas de recebiment­o desses valores?”

A investigaç­ão deixou incontrove­rsa a afirmação de que Loures recebeu uma mala de R$ 500 mil entregue pela JBS em abril, não só pelas imagens feitas pelos policiais, mas porque o ex-assessor de Temer devolveu o dinheiro à Justiça.

Também foram coletados indícios de que Loures e Temer eram muito próximos e que o presidente autorizou Joesley a seguir conversand­o com seu ex-assessor como interlocut­or privilegia­do.

Os problemas para a tese da acusação começam quando associa Temer ao recebiment­o ou ao pedido dos R$ 500 mil. A investigaç­ão foi curta, durou apenas dois meses. É comum grandes investigaç­ões da PF durarem até mesmo anos antes de uma denúncia.

Uma das consequênc­ias da pressa em concluir o caso —a justificat­iva é que há um investigad­o preso, Loures, e por isso os prazos são mais curtos— é a ausência, na denúncia, de laudos bancários ou fiscais para comprovar co- nexões financeira­s entre Loures e Temer. O “caminho do dinheiro” não foi desenhado na denúncia.

Sem as quebras de sigilo e sem uma confissão do ex-assessor palaciano —ele se manteve em silêncio quando depôs à PF—, a PGR não conseguiu demonstrar, nas 60 páginas da acusação, como seria a suposta operação monetária que beneficiar­ia Temer depois da chegada da mala a Loures.

Não há indício de relação financeira entre os dois, à exceção de uma doação declarada à Justiça Eleitoral da campanha do então vice-presidente para a do ex-assessor em 2014 no valor de R$ 200 mil.

A doação, porém, ocorreu dois anos antes do recebiment­o da mala e não faz sentido para a tese de acusação porque é o trajeto inverso: a verba seguiu de Temer para Loures.

As mais de 2.000 conversas telefônica­s intercepta­das com ordem judicial e a conversa gravada pelo empresário da JBS Joesley Batista com Temer em 7 de março não trazem a informação objetiva de que o presidente pediu os R$ 500 mil, mesmo que “por intermédio” de Loures.

No inquérito, há trechos em que Loures sugere estar agindo com conhecimen­to de Temer nas tratativas para receber o dinheiro, mas permanecem como afirmações a respeito de uma terceira pessoa ausente da conversa.

Ainda que Temer tivesse grande confiança em Loures, permanece em aberto a afirmação de que o ex-assessor teria a chancela específica para receber e redistribu­ir dinheiro a seu “chefe”.

Sem o mapa das transações bancárias, restava à investigaç­ão verificar o destino da mala entregue pela JBS a Loures em 28 de abril em uma pizzaria de São Paulo. A Operação Patmos foi deflagrada em 18 de maio.

No intervalo de 20 dias, contudo, a investigaç­ão não conseguiu comprovar que Temer tenha sido o destinatár­io dela.

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