Com 792 casos confirmados em humanos, o último deles
Com o maior número de casos em humanos desde 1980, o surto de febre amarela que atingiu o país neste ano tem também outro recorde: é o que mais teve episódios de adoecimento e morte de macacos desde o início da série histórica, em 1999.
Dados do Ministério da Saúde até o dia 31 de maio apontam 642 epizootias (termo usado para definir essas ocorrências em primatas não humanos) já confirmadas neste ano para febre amarela silvestre. O número supera até os registros de 2009, quando houve 536 confirmações.
Há, ainda, outros 1.448 casos em investigação —a maioria dos registros é de animais que morreram com sinais da doença. A confirmação ocorre quando exames nestes animais apontam resultado laboratorial conclusivo para febre amarela.
Também é alto o número de casos considerados indeterminados (quando há histórico consistente da doença, mas não foram coletadas amostras para exames).
Os dados da série histórica foram obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação. Inicialmente, o Ministério da Saúde alegou que a alta demanda impossibilitava fornecer esse balanço dos anos anteriores.
Em geral, o registro de epizootias é recomendado a equipes de saúde como forma de verificar áreas com maior risco de surtos de febre amarela silvestre —a versão urbana não é registrada no Brasil desde 1942.
Isso ocorre porque os macacos são, em geral, as primeiras vítimas da doença, transmitida pelos mosquitos Haemagogus e Sabethes.
Com os dados sobre maca- cos, equipes podem adotar medidas de prevenção a humanos, como a vacinação. Pouco, porém, é possível fazer para salvar os animais.
“É um desastre ecológico o que ocorreu, o maior surto com mortes de primatas e que afetou espécies em risco de extinção”, diz o primatologista Sérgio Lucena, professor de zoologia da Ufes (Federal do Espírito Santo), que pesquisa o impacto da doença.
Segundo o Ministério da Saúde, apesar do surto deste ano já indicar ter “o maior número de animais e diversidade de primatas atingidos” desde o início dos registros, o total de macacos afetados pode ser ainda maior. Isso porque cada registro de epizootia pode envolver mais de um animal (a identificação, muitas vezes, ocorre pelo encontro de carcaças já em decomposição).
A estimativa até o momento é que a doença tenha atingido ao menos 5.553 animais —segundo o ministério, os dados retratam em geral animais mortos, embora uma parte mínima possa ter sido de animais ainda doentes. A pasta não informou dados dos anos anteriores. Um novo balanço deve ser divulgado em julho. SUBNOTIFICAÇÃO Para João Paulo Toledo, diretor de vigilância de doenças transmissíveis do Ministério da Saúde, ainda não há explicação sobre a causa do aumento de epizootias.
A suspeita é que tenha ocorrido tanto pela expansão da doença em áreas vulneráveis quanto pela maior divulgação sobre a necessidade de vigilância. “As pessoas tendem a ficar mais alertas”, diz.
Especialistas, porém, também apontam a possibilidade de subnotificação. “É só a ponta do iceberg. E os que estão no interior da mata? Esses não entram no registro”, afirma Danilo Simonini Teixeira, presidente da Sociedade Brasileira de Primatologia.
Em Minas Gerais e Espírito Santo, algumas das principais regiões atingidas, pesquisadores tentam agora estimar os impactos e chegar mais perto do número real.
Uma das principais espécies afetadas é o bugio, também chamado de barbado ou guariba, e que fica na copa das árvores. “Foi o primeiro a receber a pancada do vírus, e já era ameaçado de extinção”, afirma Teixeira.
Além dos bugios, já há confirmação de que foram atingidos outros animais em risco, como os saguis-da-serra e saguis-da-cara-branca. A doença afetou ainda os sauás, também chamados de guigós.
“É a primeira vez que temos dados confirmados de mortes dessa espécie por febre amarela”, diz Sérgio Lucena, da Ufes. “Isso mostra que não é só um problema para a saúde humana, mas também um problema ambiental.” ‘CONTROLADO’ registrado em 11 de maio, o Ministério da Saúde diz considerar que o surto de febre amarela está “controlado”.
“Depois disso, não tivemos mais casos”, afirma Toledo.
Segundo ele, o cenário coincide com o avanço da cobertura vacinal. O início do inverno também desfavorece a transmissão, afirma Pedro Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas.
“A temperatura tende a inibir a transmissão, porque diminui a população de mosquitos transmissores”, diz.
Para Vasconcelos, porém, é necessário ampliar a vacinação para evitar novos surtos —incluindo o Nordeste dentro da área de recomendação de vacinas. A decisão, porém, ainda não tem consenso dentro do governo.
“Ninguém esperava que houvesse uma epidemia tão grande quanto houve. E nada impede que numa área onde não se vacine o vírus chegue e o surto ocorra novamente”, diz o diretor do instituto.