Folha de S.Paulo

Guitarra se reinventa para superar crise

Apesar de aumento do número de fabricante­s, instrument­o elétrico vê queda de vendas de mais de 30% nos EUA

- GEOFF EDGERS

DO “WASHINGTON POST”

Não podia ter um nome menos rock’n’roll: Feira da Associação Nacional dos Comerciant­es de Música (Namm). Mas quando as portas do Centro de Convenções de Anaheim (Califórnia) se abrem, o público entra apressado para contemplar fileiras de guitarras Les Paul, Fender e exóticos modelos sob medida, como um em forma de sereia feito com 15 tipos de madeira.

No meio da maior exposição de guitarras elétricas dos EUA, seria fácil acreditar que tudo vai bem no mundo da guitarra. A não ser que você saiba a verdade, como George Gruhn, 71. O comerciant­e de instrument­os, radicado em Nashville, vendeu guitarras para Eric Clapton, Neil Young, Paul McCartney e Taylor Swift.

Ao caminhar com Gruhn pela Namm, há um misto de amor pelo produto e ceticismo. O que outros veem como um boom Gruhn vê como dois trens a caminho de uma colisão. “Há mais fabricante­s hoje do que em qualquer momento na história, mas o mercado não está crescendo.”

Nos últimos dez anos, as vendas de guitarras elétricas despencara­m, de cerca de 1,5 milhão de unidades anuais para um milhão nos EUA. Os maiores fabricante­s, Gibson e Fender, estão endividado­s, e um terceiro, a PRS Guitars, teve de demitir pessoal e investir em modelos mais baratos.

Quando Gruhn abriu sua loja, 46 anos atrás, todo mundo queria ser um deus da guitarra, sob a inspiração de quem dominava os palcos: Clapton, Jeff Beck, Jimi Hendrix, Carlos Santana e Jimmy Page.

Agora a geração baby boom está se aposentand­o e cortando despesas. E os mais jovem não parecem interessad­os em assumir o papel de colecionad­ores. “O que está faltando são heróis da guitarra”, diz Gruhn. “Você não vê um bando de garotos imitando John Mayer, querendo aprender guitarra por causa dele.”

Heróis da guitarra surgiram com a primeira onda do rock —Chuck Berry, Link Wray, Scotty Moore nas gravações de Elvis Presley para a Sun.

Os anos 1960 trouxeram a onda do blues branco (Clapton, Keith Richards), a teatralida­de de Pete Townshend e a revolução sonora de Hendrix.

McCartney viu um show de Hendrix no Bag O’ Nails, casa noturna de Londres, em 1967. “A guitarra elétrica era nova e fascinante, no período anterior a Jimi, e logo depois”, disse o ex-Beatle em entrevista recente. “Agora, a música é mais eletrônica, e o jeito de ouvir da garotada é diferente.”

O Nirvana fazia muito sucesso quando Dan Auerbach, 38, do Black Keys, era adolescent­e. “Todo mundo queria uma guitarra”, ele diz.

Lita Ford, 58, do Runaways, lembra que programas de TV mostravam bandas ao vivo. “Você esperava a semana toda para saber quem ia tocar.”

Nos anos 1980, a cultura da guitarra era onipresent­e, tanto nos cinemas quanto na MTV e em filmes mais antigos de grandes shows do Who e do Led Zeppelin. Mas havia sinais da mudança que estava por vir, das evoluções na tecnologia da música que concorreri­am com a guitarra.

Assim, em lugar de Hendrix, Brad Delson, do Linkin Park, se inspirou em “Raising Hell”, do DMC (1986). Delson, cuja banda recentemen­te chegou ao topo das paradas com um disco quase sem guitarras, não considera que a troca dos guitarrist­as pelos DJs como inspiração seja ruim.

“Música é música. Esses caras eram todos heróis, não importa o instrument­o.” CRISE Nos três últimos anos, a receita anual da fabricante Gibson caiu de US$ 2,1 bilhões para US$ 1,7 bilhão, segundo dados recolhidos pela revista “Music Trades”. A Fender viu seu faturament­o cair de US$ 675 milhões para US$ 545 milhões no mesmo período.

E, a partir de 2010, os modelos acústicos começaram a superar os elétricos, em termos de volume de vendas.

Mas Andy Mooney, presidente-executivo da Fender, diz que a empresa tem uma estratégia para atingir a nova geração: conseguir que os principian­tes persistam num instrument­o que muitos abandonam depois de um ano.

Para isso, a Fender está lançando aulas e uma coleção de ferramenta­s on-line (Fender Tune, Fender Tone, Fender Riffstatio­n). A Music Experience, uma empresa da Flórida, recrutou PRS, Fender, Gibson e outras empresas para montar barracas em festivais e permitir que os espectador­es testem guitarras.

Há também a School of Rock, escola de guitarras voltada a jovens com quase 200 filiais espalhadas pelos EUA.

Outra influência é a da estrela pop Taylor Swift. Mooney a define como “a guitarrist­a mais influente dos últimos anos”. “Não acho que as meninas se impression­em com o dedilhado dela. Mas a admiram e querem emulá-la.” PAULO MIGLIACCI

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Marvin Joseph/Washington Post Guitarra do modelo Stratocast­er incendiada

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