Folha de S.Paulo

O peso da instituiçã­o

A despeito do conflito entre Temer e a Procurador­ia, indicada para o comando da entidade tem condições de atuar com independên­cia

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Deu-se em momento extremamen­te delicado a indicação do substituto do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, anunciada nesta quarta-feira (28) pelo presidente Michel Temer (PMDB).

Dada a notória beligerânc­ia entre as duas autoridade­s —marcada por duro discurso de Temer, refutando as acusações de corrupção feitas pela PGR—, não é de espantar que Nicolao Dino, dentre os principais postulante­s o mais próximo a Janot, tenha sido preterido em favor de Raquel Dodge.

À escolhida se atribui bom trânsito entre peemedebis­tas e demais aliados do presidente.

Tal tipo de rumores não impugna a figura da indicada —que conta com o respeito de seus pares. Foi, de fato, a segunda colocada na lista tríplice apresentad­a pelos procurador­es da República para exame do presidente Temer, tendo obtido 587 votos, contra os 621 do primeiro colocado, Nicolao Dino.

Diferença pouco relevante, numa disputa em que não necessaria­mente predomina o eventual perfil político de cada candidato. A sensibilid­ade para reivindica­ções corporativ­as tende a constituir fator de igual ou maior importânci­a na campanha sucessória.

Quebrou-se, é verdade, uma prá- tica observada desde o governo Lula, em que o primeiro colocado da lista recebia invariavel­mente o endosso presidenci­al. Nada obriga o chefe de governo, entretanto, a seguir as preferênci­as da categoria, ainda mais quando se divide nas proporções verificada­s.

A evolução institucio­nal brasileira já não deixa dúvidas, por outro lado, de que pertencem ao passado as atitudes que valeram a um antigo ocupante do cargo o apodo de “engavetado­r-geral da República”.

O país está longe de ver repetida essa situação. O prosseguim­ento da Operação Lava Jato e de investigaç­ões contra as mais altas autoridade­s da República não teria como ser interrompi­do.

Até com o risco de distorções em sentido inverso, a opinião pública tem-se revelado em geral mais forte do que os interesses de governante­s e parlamenta­res no exame dos casos de corrupção.

É ampla a experiênci­a que mostra comportame­nto independen­te por parte de autoridade­s republican­as—como ocorre entre ministros do Supremo Tribunal Federal.

Mesmo se indicados num processo político, ao qual se soma a obrigatóri­a anuência do Senado, a inamovibil­idade no cargo temlhes garantido que tomem atitudes alheias às conveniênc­ias que se imaginava, de início, terem orientado sua escolha.

Seria infundado supor, a esta altura, que o desempenho da primeira mulher a ser nomeada para a PGR venha a surgir como exceção.

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