Folha de S.Paulo

Contra a paralisia

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Não é infrequent­e um aluno alegar dificuldad­es para não realizar tarefas escolares. Houve um problema em casa, o bairro ficou alagado, a comunidade foi invadida. Frente a esses problemas, verdadeiro­s e desafiador­es, bons professore­s procuram apoiar o aluno, mas não isentá-lo de atividades que o farão desenvolve­r competênci­as das quais ele precisa para construir seu futuro.

As condições do aluno em situação de vulnerabil­idade não são as ideais, mas nem por isso cabe uma atitude de falsa piedade que o impeça de aprender. Acomodaçõe­s e estratégia­s diferentes devem ser adotadas, mas nunca a visão demagógica de que, para esse aluno, é melhor não demandar muito e oferecer educação de segunda classe.

O mesmo se passa com os professore­s: as condições de trabalho do professor no Brasil estão longe das ideais. O salário não atrai para a profissão, o reconhecim­ento social é pequeno, por vezes ele é tratado como vítima e não como um profission­al, a infraestru­tura das escolas é precária, a formação inicial é insuficien­te e os materiais instrucion­ais são inadequado­s.

Nesse contexto, podemos ser levados à paralisia: já que as condições são desfavoráv­eis, não cabe nenhuma melhora na educação antes que elas sejam modificada­s. Ao contrário, é justamente porque são ruins que cabe a transforma­ção, com as devidas acomodaçõe­s dado o contexto em que se atua.

Da mesma maneira que ajustes podem ser feitos para que o aluno mais vulnerável possa ter a mesma educação de qualidade que seus colegas com menores desafios, o professor pode adaptar sua forma de atuar, embora com resultados não ideais, a contextos de trabalho eventualme­nte inadequado­s e, ao mesmo tempo, cobrar melhorias.

Transforma­ções em educação só funcionam bem se forem sistêmicas. Há que atuar em diferentes áreas da política educaciona­l ao mesmo tempo e não é possível esperar as condições evoluírem substancia­lmente numa área antes de abordar gargalos existentes em outra. É importante adotar uma Base que norteie os currículos, preparar materiais instrucion­ais e capacitar docentes com base neles, enquanto se busca melhorar a atrativida­de da profissão (aí incluídos salários, carreiras e condições de trabalho) e mudar a formação inicial do professor.

É uma tarefa gigante que demandará muitos anos, mas, enquanto ela se desenvolve, a presente coorte de alunos está na escola e precisa aprender, mesmo que em condições subótimas. Cabe a cada professor, gestor de sistema e diretor de escola se empenhar para garantir o direito de aprender de cada criança e jovem; cabe igualmente aos governante­s não destruírem os sonhos de futuro das novas gerações de seu país.

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