Folha de S.Paulo

STF limita possibilid­ade de revisão de delação premiada

Atos só podem ser modificado­s se ficar comprovado que houve ilegalidad­e

- LETÍCIA CASADO

Para três ministros, votos vencidos, deveria haver mais hipóteses para anular o que foi acordado com o MP

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta quinta-feira (29) que acordos de delação premiada podem ser revistos e até anulados ao fim do processo, caso fique comprovado que o colaborado­r cometeu ilegalidad­es e não cumpriu com o que foi acertado com o Ministério Público Federal.

A decisão foi tomada por 8 dos 11 ministros da corte. Com exceção de Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowsk­i e Marco Aurélio, todos concordara­m que seriam essas as condições para revisar ou anular um acordo.

Os três votos vencidos defenderam haver mais hipóteses para reavaliar o que foi acordado entre delator e Ministério Público, como, por exemplo, cláusula que trate sobre o cumpriment­o da pena. Diversos acordos da Operação Lava Jato têm esse dispositiv­o.

Com a decisão, o STF deixou claro que o acordo só poderá ser revisto caso o delator não cumpra o que foi acertado com o Ministério Público, deixando de revelar fatos importante­s ou se ficar comprovado que ele mentiu.

“Não seria nem necessário dizer isso. Isso é o óbvio. Se surge um fato novo ou se chega ao conhecimen­to do sistema judiciário um fato já ocorrido que torna ilegal o acordo, é óbvio que pode ser revisto o acordo. Ninguém aqui quer agasalhar ilegalidad­e”, disse o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao fim do julgamento.

Para Janot, o instituto da colaboraçã­o premiada sai fortalecid­o com a decisão.

A PGR ofereceu imunidade criminal aos executivos da JBS em troca das revelações que envolveram mais de 1,8 mil políticos. O benefício foi criticado por ministros, advogados e políticos.

“O que não se pode admitir, e o Supremo foi muito certeiro ao afirmar assim, é que Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Ricardo Lewandowsk­i, Dias Toffoli, Celso de Mello e Cármen Lúcia O QUE ELES DEFINIRAM É atribuição do relator homologar de forma individual; sua atuação se limita a aferir a regularida­de, a voluntarie­dade e a legalidade do acordo Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Celso de Mello e Cármen Lúcia O QUE ELES DEFINIRAM Acordo pode ser revisado ou anulado por colegiado caso o delator não cumpra suas obrigações e se novos fatos indicarem ilegalidad­e um acordo que não seja ilegal e que o colaborado­r cumpra todas as obrigações a que se compromete­u possa ter suas cláusulas revistas quando do julgamento do processo penal”, afirmou Janot. “A inseguranç­a para o réu-colabo- O QUE ELES QUERIAM Que o colegiado pudesse analisar cláusulas acordadas entre Ministério Público e delator, como postergar o cumpriment­o da pena rador seria enorme.”

O advogado da JBS Pierpaolo Bottini disse que a possibilid­ade de revisar o acordo diante da ineficácia já está prevista na lei.

“O que o STF fez foi limitar as hipóteses, restringir as hi- póteses das quais se pode revisar o acordo. E acho que isso foi bastante importante. Então, acho que essa decisão foi muito razoável”, afirmou.

Na prática, o STF reafirmou e delimitou ao que já havia definido em 2015, quando os ministros discutiram um caso que envolvia a homologaçã­o de delação premiada do doleiro Alberto Youssef.

Outras duas questões foram analisadas ao longo do julgamento, que durou quatro sessões: se Fachin seria mesmo o relator da delação da JBS e se um relator pode homologar individual­mente uma delação. O STF respondeu positivame­nte às duas questões.

No primeiro caso, por unanimidad­e. No segundo, Gilmar Mendes e Marco Aurélio divergiram dos colegas. Para eles, somente algum colegiado do STF —plenário ou turma —poderia ter a competênci­a para homologar uma delação. REVISÃO DE ACORDO A questão mais polêmica foi sobre o alcance para rever ou anular uma delação, o que levou vários ministros a repetirem seus votos nessa questão para esclarecer­em o que estavam defendendo.

“Cada vez eu fico mais confuso, desde o primeiro dia. Me parece que houve realmente uma metamorfos­e ambulante neste julgamento”, disse Gilmar Mendes.

Dias Toffoli, que em 2015 foi o relator da ação que definiu as bases da delação premiada, reafirmou sua posição no julgamento da JBS: “Deixei claro que o acordo é um negócio jurídico, sendo assim, pressupost­os de existência de validade e eficácia serão sempre analisados”.

Para Barroso, a decisão oferece segurança jurídica para a colaboraçã­o, assegurand­o que, se o delator cumprir sua parte, o contrato com o Estado será honrado.

“Abrimos uma mínima exceção, por sugestão do ministro Alexandre de Moraes, que se houver um fato supervenie­nte excepciona­líssimo em que se demonstre coação, ou tortura, que foi o exemplo que ele usou, coisas totalmente fora da normalidad­e, o que, como regra geral, não ocorre”, disse após o julgamento.

 ?? Ailton de Freitas/Agência O Globo ?? O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e a presidente do STF, Cármen Lúcia, em sessão desta tarde no Supremo
Ailton de Freitas/Agência O Globo O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e a presidente do STF, Cármen Lúcia, em sessão desta tarde no Supremo

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