Folha de S.Paulo

ANÁLISE Disputa política ofusca histórico de Raquel Dodge e ineditismo da indicação de 1ª procurador­a-geral

- FREDERICO VASCONCELO­S

A polêmica envolvendo os destinos da Lava Jato e o desgaste político do presidente Michel Temer ofuscaram dois aspectos relevantes na escolha de Raquel Dodge para suceder ao procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

O primeiro é a reconhecid­a competênci­a da subprocura­dora-geral, que, ao longo da carreira, propôs várias ações penais contra políticos, empresário­s e servidores públicos corruptos.

O segundo é o fato histórico de que, a partir de setembro, três instituiçõ­es influentes estarão sob comando de mulheres: Cármen Lúcia, no Supremo Tribunal Federal; Laurita Vaz, no Superior Tribunal de Justiça; e Dodge, na Procurador­ia-Geral.

Segunda mais votada na lista tríplice, Dodge era uma opção prevista. Temer aparenta prestigiar a escolha da categoria, mas quebra a tradição, pois a eleição foi liderada por Nicolao Dino, ligado a Janot.

O embate político, contudo, não desmerece a experiênci­a e a atuação da futura procurador­a-geral, cuja confirmaçã­o ainda depende de aprovação no Senado.

Ao lado do então procurador-geral Roberto Gurgel, foi Dodge quem requereu a primeira prisão preventiva de um governador no exercício do cargo, ao coordenar a força-tarefa da Operação Caixa de Pandora. O STJ recebeu a denúncia sob acusação de corrupção de testemunha e falsidade ideológica contra o José Roberto Arruda, do Distrito Federal, então no DEM.

Nas últimas semanas, o nome de Dodge foi vinculado a caciques do PMDB, entre eles Renan Calheiros (AL) e José Sarney (AP). Pode ter sido uma forma de espicaçar Janot e desgastar a subprocura­dora-geral, que não pertence a seu grupo, insinuando o nome de Dodge como alternativ­a de Temer para reduzir o ritmo da Lava Jato.

Ela sempre negou as ligações com os dois senadores. Em recente declaração à Folha, afirmou assegurar “compromiss­o de integral e plena continuida­de do trabalho contra a corrupção da Lava Jato” e demais processos “sem recuar, nem titubear”.

Na campanha de 2015, quando Janot obteve o segundo mandato, a primeira visita da candidata Dodge foi a Curitiba, para assegurar à força-tarefa da Lava Jato que continuari­a com seu apoio se fosse a escolhida.

Em abril deste ano, surgiu a versão de que a Lava Jato seria alvo de um “ataque interno”, atribuído à subprocura­dora-geral. Janot alegou que a operação seria impactada por uma proposta apre- sentada por Dodge, em outubro de 2016, ao Conselho Superior do Ministério Público Federal. A ideia era restringir a 10% a cessão de procurador­es a outras unidades do Ministério Público Federal.

A proposição não é nova. Foi gestada na Procurador­ia da República do DF e na Procurador­ia da República da 1ª Região (que abrange 2/3 do país). Essas unidades foram desfalcada­s com convocaçõe­s de procurador­es.

Oito dos dez integrante­s do CSMPF votaram a favor da proposta. Janot pediu vista.

Essa mudança alcança principalm­ente os membros da equipe de Janot, que admitiu isso: “Se temos um conjunto de colegas trabalhand­o em vários setores no gabinete do procurador-geral e se esses setores são mexidos, é óbvio que as atividades [da Lava Jato] serão atingidas”.

Membros da força-tarefa de Curitiba acreditam que essa questão pode afetar mais o grupo de trabalho da Lava Jato em Brasília.

Em 2011, ao tratar da violação de direitos humanos durante a ditadura, Dodge considerou que os agentes públicos que cometeram crimes agiram como representa­ntes de todo o Estado ditatorial e não apenas de seu segmento militar, por isso eventuais crimes cometidos submetem-se a jurisdição federal, havendo atribuição do MPF.

Procurador­es de perfil independen­te elogiam a trajetória e o trabalho de Dodge. Não acreditam que ela vá atrapalhar a Lava Jato. Consideram a subprocura­dorageral uma pessoa dinâmica, objetiva e capaz, sem qualquer vínculo político.

Alguns temem certo espírito centraliza­dor. Sobre isso, eis o que disse a então candidata de 2015: “Tenho muito apreço e afinidade com o trabalho em equipe, com distribuiç­ão de tarefas e valorizaçã­o de habilidade­s específica­s de cada um dos membros. Uma boa equipe aprimora a qualidade do trabalho e abrevia o tempo necessário para alcançar resultados”.

Em 2010, Dodge mencionou uma observação do criminalis­ta Nelson Hungria: em caso de corrupção, são pegos os intermediá­rios, executores, não os beneficiár­ios.

É uma boa lembrança para os dias atuais —e uma referência para avaliação ao final do mandato da primeira procurador­a-geral da República.

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Zanone Fraissat - 29.mai.2017/Folhapress Raquel Dodge, indicada por Temer para comandar a Procurador­ia-Geral da República

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