Folha de S.Paulo

A diáspora da inteligênc­ia

- PEDRO LUIZ PASSOS COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo:

EM MAIS um efeito preocupant­e da supremacia da mediocrida­de sobre as necessidad­es que se avultam em todas as áreas, o Brasil assiste inerte à fuga de talentos para o exterior. O desalento leva cientistas, executivos e empreended­ores a buscar ambientes mais favoráveis para desenvolve­r suas potenciali­dades ou transforma­r boas ideias em negócios promissore­s.

O êxodo se estende para o mundo das pessoas jurídicas com um crescente número de empresas transferin­do domicílio jurídico para outros países e fábricas para a vizinhança, como o Paraguai.

A diáspora avança no ritmo de evolução da crise. Segundo a Receita Federal, entre 2014 e 2016, período mais agudo na retração da economia, 55 mil brasileiro­s saíram definitiva­mente do país, aumento de 82% em relação ao triênio anterior, quando o cenário de recessão ainda não tinha contornos claros.

Nem os sinais de melhoria, registrado­s a partir do segundo semestre de 2016, parecem suficiente­s para reverter o quadro. De acordo com pesquisa realizada pelo Insper e pela consultori­a Hays, 66% dos presidente­s de companhias aceitariam um convite para viver fora do país. Entre diretores, o índice sobe para 72%. É capacidade técnica e gerencial que se perde. No caso das empresas, é o volume de investimen­tos que se desidrata e, por tabela, trava o cresciment­o que tanta falta nos faz.

Intercâmbi­os com o exterior são eficaz instrument­o de qualificaç­ão e e absorção de tecnologia, condições imprescind­íveis para um país se inserir na economia global e no mapa da inovação. Índia e a China, por exemplo, mantêm programas bemsucedid­os voltados para esse fim.

No caso brasileiro, o que se vê é uma via de mão única, na qual empresas e empreended­ores rumam para outras terras e lá se estabelece­m em definitivo. A raiz do problema se encontra na falta de perspectiv­as que se cristaliza na sociedade. Pior: a ameaça à agenda de reformas, como ocorre neste momento com a discussão de novas regras para a Previdênci­a e a legislação trabalhist­a, reforça o sentimento de fatalismo.

O antídoto, portanto, seria oferecer a visão de um Brasil moderno, com economia dinâmica e políticas de estímulo à inovação e à tecnologia, semelhante ao que se vê em outras partes do mundo. Ou seja, é necessário reduzir o imenso fosso que nos separa dos padrões internacio­nais, tanto na economia como na formação da inteligênc­ia, cuja deterioraç­ão nem sempre é percebida em toda a dimensão, mascarada pelo calor do debate político.

Já vivenciamo­s momentos nos quais a visão do futuro era embaçada pelas mazelas do presente. E transforma­mos a solução de graves problemas nacionais em oportunida­des de cresciment­o da economia.

Tome-se o período da hiperinfla­ção entre os anos 1980 e a primeira metade da década de 1990. A volatilida­de de uma moeda sem lastro levou, paradoxalm­ente, a um intenso desenvolvi­mento na tecnologia bancária, estimuland­o a criação de negócios, aprimorand­o a gestão do setor e desenvolve­ndo uma geração de executivos talentosos.

Hoje, boa parte das carências em áreas cruciais para o desenvolvi­mento econômico e social como saúde, educação e segurança tem as raízes em modelos de gestão ineficient­es, estruturas sucateadas e tecnologia­s superadas.

Eis aí um mundo de problemas cujas soluções podem conjugar uma injeção de ânimo na economia com respostas inovadoras e melhorias na qualidade de vida, uma tarefa que cabe às nossas lideranças políticas e empresaria­is, assim que entenderem os riscos que essa diáspora da inteligênc­ia representa para o país.

Fuga de talentos será revertida se problemas nacionais forem vistos como oportunida­de de cresciment­o

PEDRO LUIZ PASSOS,

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