Folha de S.Paulo

VIDA NOVA NO MUNDÃO

Dependente por 30 anos chegou a ser dado como morto pela família, mas voltou para casa após obter emprego em programa da gestão João Doria para moradores de rua

- LEANDRO MACHADO

DE SÃO PAULO

“Fiquei mais no mundão do que em minha casa”, diz João Alexandre de Oliveira, 47, sentado em uma sala na estação Barra Funda do metrô de São Paulo. Hoje, depois de tanta idas e vindas, o mundo dele não é mais no aumentativ­o.

Dependente de drogas por mais de 30 anos, agora ele prefere algo menor: seu trabalho e a casinha onde vive com a mãe, em Diadema (Grande SP). Também dá palestras para colegas contando sua história —hoje, uma história da qual se orgulha.

O trabalho na limpeza da estação ele conseguiu por meio do programa Trabalho Novo, criado neste ano pela gestão João Doria (PSDB). O projeto auxilia empresas a contratar pessoas em situação de rua, além de profission­ais com maior dificuldad­e de se encaixar no mercado, como idosos.

Até agora, o projeto já conseguiu emprego para 914 pessoas. A meta da prefeitura é chegar a 20 mil contrataçõ­es até o fim do ano. Ou seja, se isso ocorrer, todos as pessoas em situação de rua na cidade poderão ter trabalho.

Para conseguir cumprir a promessa, a gestão Doria terá de criar, em média, por volta de 105 empregos por dia até o fim do ano. Por enquanto, esse número chega apenas a 5 vagas diárias desde o início do governo, em janeiro.

Especialis­tas acreditam que essa transição da rua para o mercado de trabalho pode ser problemáti­ca no início, pois exige adaptação a horários, maior organizaçã­o e abstinênci­a em caso de uso de drogas. A gestão Doria diz, no entanto, que 94% dos contratado­s permanecer­am no emprego. A maior parte dos empregados atua na área de faxina.

João conseguiu trabalho na Guima, empresa de serviços com maior número de egressos do programa de Doria – mais de 150 funcionári­os. Ele credita a retomada de sua vida ao emprego que conseguiu há dois meses. Ganha um salário mínimo. Depois do primeiro, ele voltou para a casa que não entrava há quatro anos.

O encontro de João com a mãe, de 67 anos, foi emocionant­e, conta. Fazia quatro anos que ele estava desapareci­do —ou, nas suas palavras, no mundão. “Fui dado como morto pela minha família. Eles já haviam parado de me procurar”, diz.

Em 2013, João tentava diminuir o consumo de drogas –bebida, cocaína, crack misturado com maconha. O vício era antigo: ele começou nas drogas com 16 anos. “Primeiro foi o álcool, depois maconha, depois cocaína”, conta.

Após abusos, sumiços constantes e dificuldad­e em conseguir empregos, João resolveu abandonar tudo. “Em São Paulo não conseguia mais parar. Comprei uma passa- gem e fui embora”. Estacionou em Joinville (SC), onde arrumou um emprego de carregador. Na cidade, até conseguiu usar menos drogas. Depois, o vício voltou com força. “Eu ganhava bem e gastava muito com drogas”, conta. Ficou por três anos no local.

Em São Paulo, sem notícias, a mãe de João parou de procurá-lo quando lhe disseram que o filho estava morto.

Ele voltou para São Paulo em 2016. Sem dinheiro, foi viver nas ruas. “Dormi em tudo quanto é lugar”, diz. Não procurava a família “por vergonha”. Depois, conseguiu uma vaga em um albergue do centro. No local, participou de uma oficina de ONG que atua com recolocaçã­o profission­al.

Foi neste ponto que o programa Trabalho Novo apareceu. João trabalha na limpeza da estação, em uma área onde estacionam ônibus de viagem. Agora, não pensa em entrar em um e fugir novamente para o “mundão”. Diz que parou de usar drogas há alguns meses. “Não vou dizer que foi fácil. Não é nem um pouco fácil.”

Agora, tem outros problemas a resolver: quer internar a irmã mais nova, que é dependente de crack e vive nas ruas de Diadema. “Não consigo vaga em nenhum lugar. Minha irmã parece um cadáver ambulante. Fica dias sem tomar banho, não come”, diz.

Também quer tomar coragem para reencontra­r um filho, que completou 20 anos. João não o vê desde quando o garoto tinha quatro anos de idade. “Se eu encontrá-lo agora, na minha frente, não sei o que diria. É difícil falar alguma coisa.”

Para os colegas de limpeza, João tem bastante a falar e a contar: sua vida no mundão. Na estação, é cumpriment­ado por todos os companheir­os. Agora, passou a ser convidado a dar palestras motivacion­ais para outros funcionári­os oriundos do Trabalho Novo. “Hoje conto tudo o que passei até com prazer”, diz.

“foi o álcool, depois maconha, depois cocaína Fui dado como morto pela minha família. Eles já haviam parado de me procurar Não vou dizer que foi fácil [parar de usar drogas]. Não é nem um pouco fácil

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Bruno Santos/Folhapress João Alexandre no terminal Barra Funda

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