Folha de S.Paulo

Movimento recebido por Dilma acabou

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Ainda que o Bom Senso tenha acabado, a mobilizaçã­o dos jogadores de futebol continua. No vácuo deixado pelo grupo que entre 2013 e 2016 atuou pela transparên­cia no futebol e pelos direitos dos atletas da modalidade surgiu o “Clube de Capitães”, que atualmente age de maneira mais pragmática.

Encabeçado por atletas que também tinham força no Bom Senso, como Paulo André, Fernando Prass e Lúcio Flávio, o grupo é próximo da Fenapaf (Federação Nacional dos Atletas Profission­ais de Futebol).

As discussões são feitas por meio de um grupo de WhatsApp que tem cerca de cem atletascon­sideradosl­íderesde equipes de diferentes divisões nacionais. Todos os clubes das séries A e B do Brasileiro contam com pelo menos um representa­nte. O meia Alex, ex-Palmeiras e Cruzeiro, e o meia Elano, assistente técnico do Santos, são alguns dos poucos exatletas no grupo.

Diferentem­ente do Bom Senso, que tinha posicionam­ento político agudo e fez forte contrapont­o à CBF, apontando continuame­nte as acusações de corrupção que a circundam, o Clube dos Capitães definiu metas mais específica­s: fazer pressão contra medidas que, na visão deles, atingem negativame­nte os direitos dos jogadores, como, por exemplo, um projeto de lei que altera a cláusula compensató­ria no caso de rescisão de contrato de jogadores.

Hoje, quando o contrato é rompido, o clube deve pagar integralme­nte os salários previstos até o fim do acordo. Pelo projeto, dependendo do salário do jogador, o clube poderia pagar até 10% desse valor. A nova regra atingiria atletas que ganham acima de R$ 30 mil por mês, de forma escalonada —aqueles que ganham mais receberiam menor porcentage­m na rescisão.

“Com o Bom Senso tentávamos, mas era difícil conseguir alguma coisa, faltava representa­tividade. A aproximaçã­o com a Fenapaf ajudou. Hoje também temos uma causa geral mais clara”, diz Lúcio Flávio, que atualmente joga na Série C pelo Joinville.

FELIPE AUGUSTO LEITE

presidente da Fenapaf

Bom Senso e Fenapaf não tinham relação. No entanto, o movimento e a federação se aproximara­m meses após Felipe Augusto Leite, que é amigo de Lúcio Flávio, assumir a presidênci­a da entidade, em fevereiro de 2016.

“Não fazemos política, mas defesa da categoria. Não nos interessam­os pela política da CBF ou dos clubes, mas pela proteção do bem estar dos atletas. Queremos uma relação cordial entre todos”, diz o presidente da Fenapaf.

Outras mudanças criticadas pelo grupo preveem fracioname­nto das folgas e das férias.

Além de combater essa proposta, os atletas pedem que os salários sejam integralme­nte registrado­s nas carteiras de trabalho —sem pagamento de direito de imagem, que pode correspond­er a até 40% da remuneraçã­o mensal do atleta, de acordo com a Lei Pelé.

Na visão deles, não há vantagem em receber direitos de imagem —que sofrem tributação menor que o salário—, já que são frequentes os atrasos nesses pagamentos.

“Atualmente, o jogador não pode voltar a campo com menos de 24 horas de descanso. Querem fracionar em duas folgas de 12 horas, período que não dá nem para ficar com a família, ainda mais com as viagens que são inevitávei­s no futebol e que clubes menores têm que percorrer de ônibus”, diz Lúcio Flávio.

“Querem acabar com as férias coletivas. Pedimos um encontro com o presidente Michel Temer (PMDB), que nos encaminhou para o Ministério do Esporte. Não recebemos resposta. Estamos monitorand­o os projetos. Em relação ao que corre na Câmara, temos Andres Sanchez [ex-presidente do Corinthian­s] como presidente da comissão e [o deputado federal] Rogério Marinho (PSDB-RN), ex-dirigente do ABC, como relator. São duas figuras patronais.”

Em maio, jogadores do Brasileiro entraram em campo com faixas pretas no braço para protestar contra as reformas. A atitude foi mais branda que as manifestaç­ões do Bom Senso, que chegaram a paralisar por cerca de 30 segundos todos os jogos da 34ª rodada do Brasileiro em 2013.

Segundo Leite, uma greve não está descartada. “Se não vão mudar na conversa, vamos nos mobilizar.”

Fazem parte do grupo Dudu, Prass, Zé Roberto (Palmeiras), Walter (Corinthian­s), Lugano, Rodrigo Caio (São Paulo), Ricardo Oliveira, Renato (Santos), Réver (Flamengo), Camilo, Jefferson (Botafogo), Nenê (Vasco), Henrique, Gum (Fluminense), entre outros.

DE SÃO PAULO

“Não tem mais Bom Senso FC.”

A frase de Enrico Ambrogini, ex-diretor executivo do Bom Senso, encerra divergênci­a que existia entre o corpo técnico e os jogadores em relação ao fim do grupo.

Em julho de 2016, a Folha revelou que o grupo da maneira que havia se tornado conhecido chegava ao fim de suas atividades. Os jogadores haviam decidido que não dariam mais a cara a tapa em nome do movimento, já que pautas importante­s haviam sido conquistad­as e vários deles vinham sofrendo represália­s de clubes devido as ações políticas.

Na sequência, os diretores do Bom Senso soltaram nota em que diziam que o grupo não estava encerrado e continuari­a suas atividades, e deram entrevista­s reforçando a ideia de que seguiriam atuando. No entanto, desde então, tanto os perfis em redes sociais como o site do grupo não foram atualizado­s.

“Não continuamo­s porque surgiram oportunida­des profission­ais”, diz Ricardo Borges Martins, que também era diretor executivo do grupo e atualmente é coordenado­r de mobilizaçã­o da plataforma Minha Sampa.

“O Bom Senso parou no sentido de fazer mobilizaçõ­es. Um grupo menor ainda conversa sobre diversas coisas. O Clube dos Capitães abrange uma coisa maior, até por termos uma entidade representa­tiva dos atletas por trás”, diz Lúcio Flávio.

Acolhido pelo governo Dilma Rousseff (PT) no período, o Bom Senso também perdeu parte de sua força com a intensific­ação da crise política no Brasil. Com isso, as pautas do grupo foram perdendo espaço na agenda política nacional. (GS)

Não fazemos política, mas defesa da categoria. Não nos interessam­os pela política da CBF ou dos clubes, mas pela proteção do bem estar dos atletas. Queremos uma relação cordial entre todos

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Doug Patricio - 14.mai.2017/Brazil Photo Press/Folhapress Jogadores entraram em campo com faixa preta no braço durante a 1º rodada do Brasileiro em protesto contra reformas

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