Folha de S.Paulo

Com início sofrido de carreira, Rogerinho chega ao auge

- DANIEL CASTRO Rogerinho rebate bola em jogo da segunda rodada de Roland Garros contra o canadense Milos Raonic (então 6º do mundo)

TÊNIS

Brasileiro que disputará 6º Grand Slam seguido pela primeira vez começou como pegador de bolas e teve de fazer bicos para se manter no esporte

Rogério Dutra Silva é direto ao responder se imaginava viver a melhor fase da carreira aos 33 anos: “Não esperava”. A lista de motivos para a descrença é longa, mas Rogerinho, como é conhecido, trata o passado com sobriedade. “Não quero passar como chorão”, justifica.

Das primeiras rebatidas à vida de profission­al, o paulista trilhou um caminho diferente do percorrido pela maioria de seus pares.

Na infância, para ser autorizado a frequentar o clube em que o pai era professor de tênis e praticar o esporte, ele precisava ajudar na função de pegador de bola.

Anos mais tarde, quando os gastos cresceram, seus pais suaram para contornar a falta de eventos juvenis no Brasil e permitir que o filho jogasse torneios na Europa.

Na época, ele saía do país com pouco dinheiro e sob muita pressão por bons resultados. “Às vezes ia e ficava três meses, mas outras vezes ficava três semanas, não ia bem nos torneios e tinha que voltar sem um real no bolso”, relembra o atleta.

Consta no site da ATP (Associação dos Tenistas Profission­ais) que Rogerinho é profission­al desde 2003. A ficha não revela, porém, os “trabalhos extras” feitos por ele, dentro e fora do circuito.

“Em alguns anos não me dediquei só ao profission­al. Tive que dar aula, fui pegador de bola, já encordoei raquete em torneios para ganhar dinheiro para comer.”

No início da carreira, em um campeonato profission­al no México, o brasileiro passou por uma situação inusitada após seu tênis estragar durante a competição.

“Não tinha dinheiro para comprar outro e achei uma promoção de um tênis com as travas grandes. Eu começava a pisar na quadra e furava ela inteira”, conta. Rogerinho venceu aquela partida, mas, com medo de ser desclassif­icado, conseguiu um calçado emprestado para o jogo seguinte.

“anos não me dediquei só ao profission­al. Tive que dar aula, fui pegador de bola, já encordoei raquete em torneios para ganhar dinheiro para comer

AUGE INESPERADO A partir de segunda (3), quando começa o torneio de Wimbledon, o 68º colocado do ranking disputará seu sexto Grand Slam consecutiv­o, feito inédito para ele. O torneio na grama é o único dos quatro mais importante­s do esporte em que Rogerinho nunca venceu um duelo.

Nas cinco vitórias que acumula nos outros três principais torneios da temporada, o atleta precisou jogar cinco sets em quatro ocasiões.

Ele garante, porém, que o drama não é proposital: “Preferia ganhar em três [sets], mas, se continuar ganhando em cinco está bom, viu [risos]. Não precisava ter tanta emoção. As pessoas me falam: ‘Meu, você quase me matou do coração.’”

Um dos méritos do atleta, reconhecid­o pelos adversário­s, é não entregar pontos com facilidade. “Para poder jogar tênis tive que batalhar muito. Quando entro na quadra penso que aquele pode ser meu último ponto e tento deixar tudo nela”, afirma.

ROGERINHO

tenista brasileiro

Ele reconhece que os desvios que precisou fazer durante a carreira limitaram o desenvolvi­mento de aspectos técnicos do seu jogo, mas comemora o momento atual.

“O pessoal vê que eu fui evoluindo muito. Era um jogador limitado e fui procurando meios para ir melhorando taticament­e, mentalment­e e fisicament­e”, diz.

Em 2015, o paulista também vivia boa fase quando teve lesões no joelho e despencou no ranking. O tempo parado coincidiu com o nascimento de Luiza, sua filha.

No ano passado, após mudanças na rotina de preparação física —hoje trabalha com o argentino Carlos Perez—, o brasileiro ganhou massa muscular e potência, algo que considera fundamenta­l para a sua evolução.

Se o auge tardio gerou reconhecim­ento, o mesmo ainda não se pode dizer sobre novos patrocínio­s. Sem local fixo para treinament­os, ele costuma praticar na Argentina (país também do seu treinador, Andres Schneiter) ou em Santa Bárbara d’Oeste, no interior de São Paulo, quando está fora de competiçõe­s.

Rogerinho sabe que a trajetória percorrida é digna de admiração, mas evita colocar-se como um modelo. “Várias pessoas podem levar isso para o lado positivo, mas tomara que não precisem copiar muitas coisas que precisei fazer para jogar. Foi muita loucura, mas fico feliz que está dando frutos”, afirma.

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Christian Hartmann - 31.mai.2017/Reuters

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