ONDE COMEÇA A LAMA
Em parceria com cineasta Cláudio Assis, coreógrafa Deborah Colker suja bailarinos de barro em versão dançada do poema ‘O Cão sem Plumas’, de João Cabral
de “Evguêni Oniéguin”, de Alexander Púchkin, e “Belle” (2014), baseado em “A Bela da Tarde”, de Joseph Kessel.
Deborah iniciou o processo de pesquisa há três anos. Via uma força na geografia do poema (as margens do rio Capibaribe) e queria levá-la para a cena. Convidou o cineasta Cláudio Assis para que produzissem imagens da região.
Em novembro passado, a equipe percorreu por três semanas cinco cidades que margeiam o rio pernambucano, dando oficinas de dança às comunidades e conhecendo elementos da cultura local.
Ali, gravaram as cenas que acompanham cerca de 70% do espetáculo. Em preto e branco, numa fotografia seca e contrastante que lembra as imagens de Sebastião Salgado, o filme é projetado ao fundo do palco. Mostra performances dos bailarinos pelos mangues do rio, as paisagens amplas e craqueladas.
“É um espetáculo em movimento, intermitente, como o poema”, afirma Assis. “A gente pode ir mudando a ordem das imagens [na temporada].”
À frente da tela, os bailarinos lembram caranguejos: o tronco curvado, os braços tortos. Eles se movimentam em conjunto, quase formando um corpo só. À medida que dançam, a lama que cobre seus corpos, em parte já seca, sobe em pó e suja o palco.
A coreografia traz influências regionalistas (como o coco, com fortes batidas de pés), mas também estrangeiras, caso do africano kuduro. São movimentos mais concisos, distantes dos trabalhos acrobáticos pelos quais Deborah ficou conhecida, em espetáculos como “Mix” (1995) e “Nó” (2005). “A gente vai do clássico ao popular. Uso sapatilha de ponta e ainda vou para a lama”, diz ela.
Também nem só de regionalismos é feita a trilha sonora de Jorge dü Peixe, vocalista do Nação Zumbi, com participação do músico Lirinha.
Dü Peixe criou canções melódicas para os versos, ora cantados (pelo próprio ou por Lirinha), ora declamados (em gravações que acompanham a música). Há um pouco do manguebeat e do eletrônico característicos do músico, mas também traços de frevo e valsa. “Mas, claro, tudo salpicado de lama”, conta ele.
O processo do espetáculo ainda vai dar origem a um documentário, que deve sair entre setembro e outubro.
O longa acompanhará a residência nas comunidades ribeirinhas, a estreia em Pernambuco no início deste mês e uma apresentação prévia feita no Marco Zero de Recife no fim do ano passado, com o grupo dançando sobre uma uma balsa alocada no encontro do Capibaribe com o mar. MARIA LUÍSA BARSANELLI QUANDO 30/6 e 1º/7, no Bourbon Country (Porto Alegre); 19/7, no Festival de Dança de Joinville; 27 a 30/7, no Theatro Municipal do Rio; 5 a 6/8, no Sesc Palladium (BH); 9 e 10/8, no Teatro Goiânia; 12/8, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães (Brasília); e 25/8 a 3/9, no teatro Alfa (SP) PROGRAMAÇÃO E INGRESSOS ciadeborahcolker.com.br/agenda