De aparência divertida, ‘Okja’ faz duro ataque à indústria alimentícia
Filme do sul-coreano Bong Joon-ho contamina gêneros populares com inquietações sobre a família e a solidão
FOLHA
Um alerta aos que apreciam lombo à mineira, linguiça suína ou leitão à pururuca: “Okja” não vai agradar a seus paladares. O filme que acaba de entrar no catálogo da Netflix guarda sob o disfarce de fantasia uma crítica.
A exibição de “Okja” no Festival de Cannes, em maio, provocou mais barulho pelo fato de o filme ser uma produção Netflix que, portanto, não seria lançada nos cinemas.
Passado o rumor, é importante reconsiderar que a hierarquia tradicional de cinemas-DVD-TV está em mutação acelerada e não deixa de ser positivo que a Nova Hollywood, representada pela Netflix e pela Amazon, esteja investindo em projetos de realizadores como este trabalho do sul-coreano Bong Joon-ho, que sabem inocular sabor (ou veneno) no cinema fast-food.
“Okja” fala de comida, de consumo e do mundo saturado em que vivemos. A trama simples contrapõe os superpoderes da Mirando, uma corporação, à vida simples de Mikha, uma garotinha coreana que vive nas montanhas.
De um lado, está o capitalismo, com sua lógica de resultados que não se preocupa com os danos. De outro, a natureza, que só sobrevive quanto mais estiver fora do alcance predatório. De um extremo a outro, opera uma organização terrorista que cria situações para libertar animais.
Essa oposição simplória é ultrapassada pela presença de Okja, um superporco transgênico criado pela Mirando, mas que cresce livre nas montanhas ao lado de Mikha.
Bong não contraria as convenções e faz um filme recheado de ação e que pode ser consumido sem indigestão por quem prefere torcer pela vítima, vibrar quando o vilão é desmascarado e chorar quando os fracos têm vez.
Porém, desde “Memórias de um Assassino” (2003) e “O Hospedeiro” (2006) o diretor demonstra desenvoltura para contaminar gêneros populares com inquietações sobre a família, a solidão e a exclusão. “Okja” segue esse padrão, com uma superfície divertida e camadas que incomodam.
Sua disseminação na Netflix pode não provocar uma epidemia de vegetarianismo. Mas suas cenas mais fortes deixarão muitos carnívoros com um bocado de culpa. DIREÇÃO Bong Joon-ho ELENCO Tilda Swinton, Paul Dano, Ahn Seo-Hyun PRODUÇÃO Coreia do Sul/EUA, 2017, 14 anos ONDE Netflix AVALIAÇÃO muito bom