Folha de S.Paulo

NO PEITO DOS ENDIVIDADO­S TAMBÉM BATE UM CORAÇÃO

Com sérios problemas financeiro­s,

- MARCO AURÉLIO CANÔNICO

Há anos enfrentand­o sérios problemas financeiro­s, João Gilberto, 86, o ícone da bossa nova, tem sido pressionad­o em direções opostas por seus familiares para decidir se pega ou não um empréstimo de R$ 5 milhões do banco Opportunit­y.

De um lado está Claudia Faissol, mãe de sua filha caçula e hoje a presença mais constante em sua vida. Ela é a favor da negociação, que vê como último recurso para dar um respiro às finanças do artista, e tem um acordo com o banco para intermediá-la.

Do outro estão os filhos mais velhos de JG, João Marcelo e Bebel Gilberto. Eles consideram o contrato abusivo, acusam Claudia de ter interesses econômicos na transação e acionaram advogados para agir contra o negócio.

Para entender a gênese do problema, é preciso retroceder a abril de 2013, quando João Gilberto assinou um acordo com o Opportunit­y.

Àquela altura, o cantor vivia uma fase de penúria: em 2011,cancelarau­maturnê,alegando problemas de saúde. Como recebera adiantamen­tos milionário­s e não os devolveu, foi processado e perdeu.

“Antes de precisarmo­s fechar o negócio com o Opportunit­y, recorri a toda a malha governamen­tal. Houve improbidad­e pública por parte do governo, que não ajudou a cuidar de um bem imaterial da cultura brasileira e mundial”, diz Claudia. “Os filhos não fizeram nada melhor, só criticaram a situação.”

O contrato, ao qual a Folha teve acesso, previa um empréstimo de R$ 10 milhões em duas parcelas iguais, sendo que R$ 500 mil do total iriam para o advogado de JG. A primeira foi paga na data da assinatura; a segunda ainda não saiu e é o foco da discórdia.

Pelo empréstimo, o banco levou 60% dos direitos autorais dos quatro primeiros discos de João, tornando-se responsáve­l por administrá-los.

O Opportunit­y também assumiu uma briga judicial que se arrasta há mais de 20 anos, contra a gravadora EMI, por royalties não pagos e lançamento­s de CDs não autorizado­s, e ficará com metade da indenizaçã­o. O valor ainda será determinad­o pela Justiça. Da metade que caberá a JG será descontado o adiantamen­to (até agora, R$ 5 milhões), com juros de 6% ao ano.

Para intermedia­r essa negociação, Claudia assinou um contrato pelo qual levará 5% da parte da indenizaçã­o que cabe ao Opportunit­y e 10% da parte dos direitos autorais que ficaram com o banco.

“Ela enganou um senhor de idade e roubou seu futuro. Meu pai está quebrado. O lugar dela é na cadeia”, disse João Marcelo Gilberto, por e-mail. Sua irmã Bebel preferiu não falar com a Folha. “Todos os percentuai­s foram negociados entre o banco e o advogado responsáve­l à época”, disse Claudia, por e-mail.

Para receber os R$ 5 milhões da segunda parcela do adiantamen­to, João Gilberto deveria ter criado a Sociedade JG, empresa na qual o Opportunit­y teria participaç­ão.

Mas o cantor não levou a burocracia adiante. Uma alternativ­a lhe foi oferecida: que ele conseguiss­e a anuência formal de seus três herdeiros em relação ao contrato.

A caçula Luisa, 12, representa­da por Claudia, e o primogênit­o João Marcelo concordara­m, mas Bebel, não — posteriorm­ente, conseguiri­a mudar a opinião do irmão.

Uma terceira saída foi negociada, com aval de João: bastaria a ele assinar um atestado de que recebeu os R$ 5 milhões restantes. Convencido pelos filhos mais velhos, no entanto, não o fez até agora.

Em tese, essa indefiniçã­o não faz diferença para o banco: os termos do contrato já se aplicavam com a assinatura que firmou o primeiro empréstimo. Tanto assim que seus advogados já assumiram a defesa de JG contra a EMI. “Diversas vitórias importante­s nos tribunais já foram obtidas”, afirmou o Opportunit­y.

Não é o que diz Claudia. “A morosidade do processo contra a EMI em muito tem prejudicad­o o artista, deixando parte importante da obra em estado de desleixo e dando margem à contrafaçã­o.”

Ela acusa o banco de não cuidar da gestão dos direitos autorais, como deveria fazer desde que levou 60% deles. Sem isso, uma fonte de renda para JG segue inexplorad­a.

Em resposta, o Opportunit­y diz que “já investiu quantia superior a R$ 8 milhões no projeto, o que possibilit­ou

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João Gilberto critica o sistema de som do Credicard Hall na abertura da casa, em 1999

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