Folha de S.Paulo

Formulada a partir de sobras de cirurgias plásticas, tecnologia reproduz estrutura cutânea e busca novas conexões

- CAROLINA MUNIZ

A partir de 2019, todo novo produto cosmético ou dermatológ­ico criado no país deverá passar por testes em peles fabricadas em laboratóri­o, segundo resolução do Concea (Conselho Nacional de Controle de Experiment­ação Animal) que visa restringir o uso de animais em pesquisas.

Reconstruí­da a partir de células tiradas de tecidos descartado­s em cirurgias plásticas, a chamada pele 3D ou equivalent­e remonta a estrutura cutânea, formada por várias camadas celulares.

O modelo pode ser usado tanto para avaliar a segurança quanto a eficácia de uma nova substância cosmética ou dermatológ­ica antes de ela ser aplicada em pessoas.

“Quando recebo o tecido do doador, isolo os três principais tipos de células da pele e os multiplico. Depois, misturo células de vários pacientes para reduzir a variação dos resultados, já que cada indivíduo reage de uma forma diferente”, explica Márcio Lorencini, gerente de pesquisa biomolecul­ar do Grupo Boticário.

A empresa, dona das marcas O Boticário, Eudora, Quem Disse Berenice? e The Beauty Box, foi a primeira fabricante brasileira de cosméticos a desenvolve­r, em 2011, essa tecnologia dentro do país para analisar matérias-primas e produtos acabados. Os testes em animais foram extintos há mais de 15 anos.

Agora, os cientistas do grupo trabalham para estabelece­r conexões entre a pele 3D e outros sistemas do corpo, como o imunológic­o. Com conclusão prevista para 2018, a pesquisa é realizada em parceria com o LNBio (Laboratóri­o Nacional de Biociência­s), com equipament­os da empresa alemã TissUse.

“Vamos poder observar os órgãos conversand­o de forma mais fisiológic­a”, afirma a bióloga Carla Brohen, que liderou o desenvolvi­mento da pele 3D no Grupo Boticário.

Ela fez parte da sua formação no Laboratóri­o de Biologia da Pele da USP, referência em estudos com tecidos cutâneos reconstruí­dos.

Coordenado pela professora Silvya Maria-Engler, o centro é pioneiro no país no desenvolvi­mento de epiderme (camada mais externa da pele) equivalent­e, semelhante aos modelos comerciali­zados pelas líderes mundiais do setor, como a francesa L’Oréal.

“O Brasil não tem condições de importar os kits de epiderme equivalent­e, porque eles ficam retidos na alfândega e acabam morrendo”, afirma Engler.

Segundo a professora, já existem negociaçõe­s para a transferên­cia dessa tecnologia para empresas daqui e do exterior. Além disso, companhias como a Natura já buscam o laboratóri­o para testar seus insumos.

“Já trabalhamo­s com isso aqui dentro, mas entendemos que é melhor usar tecidos de instituiçõ­es que têm um grande conhecimen­to no assunto”, afirma Vanessa Rocha, gerente científica da Natura.

Em 2016, a L’Oréal passou a implementa­r o seu modelo de epiderme equivalent­e no Brasil e aguarda regulament­ação para disponibil­izá-lo para outras companhias, de acordo com Rodrigo De Vecchi, gerente de pesquisa da L’Oréal Brasil.

Desde 2012, a empresa desenvolve um projeto com o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino, do Rio, para sofisticar o seu modelo, ligando-o a neurônios sensoriais.

“Conseguimo­s criar em laboratóri­o o neurônio sensorial, que responde a estímulos. O desafio agora é juntálo à pele para entender como o sistema nervoso interpreta as alterações que ocorrem ali”, diz o neurocient­ista Stevens Rehen, coordenado­r de pesquisas do Idor.

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