Folha de S.Paulo

Francisco e a pedofilia

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O indiciamen­to do cardeal australian­o George Pell sob acusação de crimes sexuais reacende dúvidas sobre a eficácia das ações conduzidas pelo papa Francisco para banir dos círculos eclesiásti­cos práticas como o abuso de menores.

Pell é tesoureiro do Vaticano, o que equivale a dizer que se trata do terceiro homem na hierarquia da Santa Sé. Nega com veemência as acusações, que deverá refutar no próximo dia 18, quando se apresentar à corte de Melbourne.

Três anos atrás, o prelado teve de se haver com testemunho­s segundo os quais havia encoberto casos envolvendo padres de seu país natal, chegando a subornar uma vítima em troca de silêncio.

O episódio coincidiu com o anúncio pelo papa da criação de um tribunal para julgar bispos acusados de condescend­ência ou omissão diante de relatos de agressões. A iniciativa respondia a um pleito da comissão de proteção de menores estabeleci­da pelo pontífice na época.

Ocorre que o ímpeto purgador arrefeceu. Desde então, uma das vítimas de ataques que integravam o colegiado desligou-se do grupo, e a outra foi, tudo indica, constrangi­da a se licenciar por tempo indetermin­ado. Ambas se queixaram do ritmo das reformas que haviam ajudado a formular.

Segundo noticiou a imprensa estrangeir­a, setores contrários ao comitê se articulara­m para desidratar seu orçamento. A resolução inicial de fazer reuniões fora do Vaticano teve de ser revista.

Em paralelo, a igreja teria ministrado cursos de formação de bispos em que se dizia aos participan­tes “não ser necessaria­mente” dever deles reportar às autoridade­s policiais abusos de menores perpetrado­s por clérigos.

De seu lado, Francisco despertou incertezas sobre o valor de face de sua propalada “tolerância zero” com a pedofilia quando, em 2015, nomeou um bispo chileno ligado a um caso de violência sexual.

Além disso, tardou mais de dois anos em aceitar a renúncia de um bispo americano condenado em 2012 por acobertar um padre.

Hábil em vender o ideal de uma igreja despojada, distante de sua opulência imemorial, o papa tem centrado homilias e trabalho pastoral no aceno a pobres e segmentos vulnerávei­s. A cada intervençã­o, conclama os pares a construir uma instituiçã­o mais atenta às agruras mundanas dos fiéis.

Urge inscrever zelo de outro feitio na cultura eclesiásti­ca, em caráter irrevogáve­l: aquele que garantirá a investigaç­ão e posterior punição de criminosos que integrem os quadros da corporação. RIO DE JANEIRO -

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