Folha de S.Paulo

GOVERNO ENCURRALAD­O Enquanto houver bambu, vai flecha, diz Janot

Durante congresso de jornalismo, procurador deixa claro que aproveitar­á período até deixar o cargo, em setembro

- ANNA VIRGINIA BALLOUSSIE­R

Ele diz também ser quase impossível haver prova cabal que ligue Temer a mala que seu ex-assessor recebeu

“Enquanto houver bambu, lá vai flecha. Até o 17 de setembro, a caneta está na minha mão.”

Assim Rodrigo Janot encerrou sua participaç­ão em debate no 12º Congresso da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigat­ivo): garantindo que vai “continuar no ritmo” atual e aproveitar ao máximo os dois meses e meio que lherestamn­ocomandoda­Procurador­ia-Geral da República.

Janot será substituíd­o pela subprocura­dora Raquel Dodge, tida como sua rival —o que ele negou na palestra.

Ele estava ali na condição de “entrevista­do mais procurado da República”, brincou a mediadora, a jornalista Renata Lo Prete, da “Globo News”, neste sábado (1º). “Mas sem tornozelei­ra [eletrônica]”, rebateu um bem-humorado Janot.

O procurador rebateu críticas de que a inédita denúncia de corrupção passiva contra um presidente em exercício, que ele apresentou na segunda (26), é frágil.

Seria preciso uma “prova sa- tânica, quase impossível” para selar definitiva­mente a ligação entre Michel Temer e a mala com R$ 500 mil carregada por seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures.

Janot fez um trocadilho com “prova diabólica”, termo jurídico que significa uma prova excessivam­ente difícil de ser produzida.

O problema é que ninguém “passa recibo” para esse tipo de atividade ilícita, então o fundamenta­l é “olhar a narrativa” e “apresentar indícios fortes” que liguem o denunciado ao crime, disse.

Em começo de carreira, ele e colegas se questionav­am sobre o tema, contou. “Não é possível que, para pegar um picareta, tenho que tirar fotografia do sujeito tirando carteira do bolso do outro. Esse tipo de prova é satânica, quase impossível”, declarou.

E veio a pergunta da plateia: a evidência seria satânica pela dificuldad­e de obtê-la ou pelo sujeito a que se refere? Era uma chacota com o falso boato de que Temer seria adepto do satanismo.

Em uma hora e meia de conversa, ele falou sobre a polêmica delação premiada dos irmãos Joesley e Wesley Batista e contempori­zou as alardeadas divergênci­as com sua sucessora na PGR e com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Gilmar Mendes.

Com ambos conserva apenas rachas “teóricos”, afirmou o procurador que chegou a dizer, sem mencionar o nome, que Mendes teve uma “disenteria verbal” após o ministro acusar, em março, a Procurador­ia de repassar informaçõe­s sigilosas da Lava Jato para jornalista­s.

“Não tenho nenhum conflito com ele, zero”, respondeu Janot. “Todas as vezes em que tive que me dirigir a ele de uma maneira um pouco mais dura”, disse, “foi legítima defesa”.

Lembrou que ele e Gilmar tomaram posse na Procurador­ia juntos, em 1984. Naquela década, Janot foi estudar na Itália, e o colega, na Alemanha. O hoje procurador-geral contou que volta e meia visitava Gilmar no país vizinho, e eles tomavam “sorvete” (logo depois consertou: sorvete, não, “cerveja!”).

Janot definiu como “legítima” a escolha de Dodge, ficou em segundo na lista tríplice para o cargo promovida pela ANPR (Associação Nacional dos Procurador­es da República). “O importante é o nome ser escolhido dentro da lista, e isso ele [Temer] fez”, declarou.

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