Um dia de trabalho para manter Temer
BOLSA AÉCIO Joesley Batista não foi o único endinheirado a quem Aécio Neves pediu R$ 2 milhões para custear suas despesas com advogados.
O grão-tucano pediu a doação a pelo menos dois outros filantropos. DODGE E BRASILIA Raquel Dodge chega à Procuradoria-Geral da República com duas marcas na biografia.
Uma decorreu de sua atividade profissional. Dodge tem mestrado em direito pela Harvard Law School. Pela escola passaram Barack e Michelle Obama, cinco dos nove juízes da atual Suprema Corte e o inesquecível Antonin Scalia.
A outra marca veio da conduta alheia. Na noite anterior à indicação da doutora, o presidente da República (denunciado pela PGR por corrupção) jantou na casa do ministro Gilmar Mendes (o procurador-geral pediu seu impedimento em processos relacionados ao empresário Eike Batista) acompanhado pelos ministros Moreira Franco e Eliseu Padilha (ambos respondendo a inquérito aberto pelo Supremo Tribunal Federal). A RODA DE MILLER A ministra Cármen Lúcia manteve a validade do acordo de colaboração que o procurador Rodrigo Janot fechou com os irmãos Joesley e Wesley Batista.
Apesar disso, dificilmente ela terá digerido a porta giratória que levou o procurador Marcelo Miller a migrar para o escritório Trench, Rossi e Watanabe, que negociava o acordo de leniência da JBS.
O doutor Janot defendeu o voo de Miller, mas quer afastar o ministro Gilmar Mendes dos processos que envolvem o empresário Eike Batista, porque a mulher do ministro é sócia do escritório que o defende na área cível.
Poucas vezes um troca-troca da política esteve tão claro, envolvendo uma mercadoria perfeitamente quantificável. A ideia é tomar um dia de trabalho dos brasileiros para custear votos de deputados capazes de segurar Michel Temer no Planalto.
Pelo projeto de reforma trabalhista, vai ao lixo o velho imposto sindical, instituído em 1937. Trata-se da tunga de um dia de salário dos trabalhadores formalizados, destinada a cevar a máquina da unicidade sindical na qual está incrustada uma casta de pelegos. A reforma aboliu o caráter de confisco dessa “contribuição”. Se o cidadão quiser contribuir para o sindicato, passará a fazê-lo por livre vontade.
Graças a esse imposto há em Pindorama 11 mil sindicatos de empregados e patrões, todos aninhados às arcas da Viúva, de onde saem R$ 3,5 bilhões anuais.
Precisando de votos para se safar da deposição, o governo de Michel Temer namora a ideia de anestesiar o fim desse imposto, baixando uma medida provisória que adie sua extinção. Negocia escondido com as centrais sindicais. Seriam uns 30 votos.
Nessa manobra, a bancada do PSDB fica escalada para um triste papel. Os tucanos defendem a reforma trabalhista em nome da modernidade e dos diplomas universitários de seus mestres-banqueiros. Primeiro, eles defenderam limitações na farra das isenções tributárias para entidades que se dizem filantrópicas. Saíram de fininho. Chegaram a flertar com a ideia de mexer na caixa preta do Sistema S, cuja mordida custa algo como cinco impostos sindicais. Medraram, porque ali mora o sindicalismo patronal. Querem levar o Brasil para o século 21 sem tirar o pé do cofre da primeira metade do 20.
Mais uma oportunidade para se recordar os versos do poeta Cacaso: “Ficou moderno o Brasil Ficou moderno o milagre A água já não vira vinho Vira direto vinagre.” DODGE E HARVARD Em maio de 2006, o Estado de São Paulo foi aterrorizado pelo Primeiro Comando da Capital. Ele organizou revoltas em 83 prisões, atacou 274 delegacias, escolas e ônibus, vangloriando-se de ter matado 39 policiais. Em resposta, a polícia matou cem pessoas em apenas cinco dias.
Meses depois, o professor James Cavallaro, um veterano batalhador dos direitos humanos da faculdade de Direito de Harvard e a procuradora brasileira Raquel Dodge, que buscava seu mestrado na escola, começaram a coordenar uma pesquisa para contar o que aconteceu. Juntaram pesquisadores americanos e brasileiros, entrevistaram dezenas de pessoas e, em maio de 2011, divulgaram o estudo “São Paulo sob Achaque: Corrupção, Crime Organizado e Violência Institucional em maio de 2006”.
No melhor estilo de uma grande universidade, a pesquisa revirou toda a história daqueles dias de terror. Raquel Dodge foi uma das três redatoras do texto final e uma das quatro coordenadoras do projeto. Felizmente, o relatório de 245 páginas está na rede. Vale transcrever um trecho: “Os crimes de maio revelaram um Estado que:
» Falhou ao permitir uma corrupção que fortaleceu uma facção criminosa;
» Falhou ao gerir seu sistema prisional realizando acordos com facções criminosas;
» Falhou ao não proteger seus agentes públicos;
» Falhou ao optar por um revide como resposta;
» Falhou ao acobertar os Crimes de Maio ou investigá-los de forma corporativista e
» Falhou ao apostar novamente na expansão do sistema prisional como solução.”
Michel Temer foi secretário de Segurança de SP de 1984 a 1986 e voltou ao cargo em 1992 e 1993.
A ideia é comprar alguns votos, congelando o dispositivo da reforma que mata o imposto sindical