Folha de S.Paulo

Para veteranos do Watergate, caso lembra investigaç­ão contra Trump

Ex-membros de comitê que investigou Richard Nixon se reencontra­m nos 45 anos do escândalo

- ISABEL FLECK

Equipe de presidente americano é suspeita de envolvimen­to na possível interferên­cia russa nas eleições

“Quem imaginava que isso poderia acontecer de novo?” Inevitavel­mente, a pergunta guiou o reencontro de 50 ex-membros do Comitê do Watergate no Senado no último dia 17, no prédio-símbolo do escândalo, 45 anos após a eclosão do caso que levou à queda do presidente Richard Nixon (1969-1974).

Entre os ex-assessores, não havia dificuldad­es em apontar as semelhança­s entre as investigaç­ões sobre uma possível interferên­cia russa nas eleições de 2016 —e o envolvimen­to de membros da equipe do presidente Donald Trump—, e o caso sobre o qual se debruçaram há mais de quatro décadas.

Um deles era o advogado Rufus Edmisten, 75, o homem responsáve­l por levar até a Casa Branca, em julho de 1973, a intimação para que o presidente Nixon entregasse as gravações feitas de suas conversas no Salão Oval.

“Eu sempre achei que viria um novo Watergate, mas não com tantas semelhança­s assustador­as”, disse à Folha, na última sexta (30).

Edmisten era o vice-conselheir­o-chefe do Comitê do Watergate no Senado e o braço direito do senador democrata Sam Ervin, que presidia o comitê junto com o representa­nte da minoria republican­a, Lowell P. Weicker.

Seu papel era variado, indo desde pré-sabatinar as testemunha­s antes da audiência no comitê até cuidar das credenciai­s de imprensa.

Hoje, Edmisten, que é sócio num escritório de advocacia na Carolina do Norte, compara o comportame­nto dos dois presidente­s republican­os frente aos escândalos.

“Como Nixon, Trump parece acreditar que o Executivo tem mais poder do que o Legislativ­o e o Judiciário”, diz. “Os dois também demitiram pessoas importante­s relacionad­as às investigaç­ões: Nixon retirou o procurador especial do caso [Archibald Cox], Trump, o [diretor do FBI James] Comey.”

No caso de Nixon, tudo começou com a invasão da sede do Partido Democrata no Watergate em junho de 1972, durante a campanha à Presidênci­a na qual ele concorria à reeleição. Apesar de ter sido divulgado, antes do pleito, que o FBI descobrira a ligação entre a ação e a equipe de campanha de Nixon, o republican­o foi reeleito.

Apenas em fevereiro de 1973, o comitê do Watergate no Senado seria formado.

Apesardaco­mparação,Edmisten ressalta que as investigaç­ões sobre uma suposta intervençã­o da Rússia nas eleições e a possível participaç­ão da equipe de Trump está em “estágio muito inicial”.

“A investigaç­ão do Watergate começou em 1972, e Nixon não deixou o posto até 1974. Essas coisas não acontecem da noite para o dia”, lembra. “As pessoas esperam ter um resultado na velocidade da mídia, que traz notícias 24h, mas não acontece dessa forma. A lei é mais devagar.”

Gordon Freedman, 65, que aos 21 se tornou um dos assistente­s do comitê, lembra que as provas ligando Nixon só vieram com a descoberta de que havia fitas, por meio de um depoimento de um assessor, e a liberação, um ano depois, da gravação que comprovava a tentativa de obstrução da Justiça.

“Até que isso acontecess­e noWatergat­e,nuncaningu­ém pensouquec­hegariaaté­opresident­e”, afirma Freedman, que tinha como principal tarefa analisar a ampla papelada relacionad­a às campanhas de 1972 em busca de provas.

No caso de Trump, o próprio presidente já sugeriu que a demissão do ex-diretor do FBI estaria relacionad­a à investigaç­ão sobre a Rússia.

Comey também afirma que Trump teria pedido para que ele deixasse de lado o caso envolvendo as relações do exconselhe­iro de Segurança Nacional Michael Flynn com Moscou. O presidente chegou a sugerir que teria gravado as conversas com Comey, mas semanas depois negou a própria declaração.

“Os casos são muito parecidos no sentido de que houve problemas durante a campanha que têm que ser investigad­os, já com o novo presidente no posto”, diz Freedman, que hoje tem uma ONG de educação. “Mas a investigaç­ão sobre a Rússia é potencialm­ente muito mais destrutiva, porque, se comprovada, é a prova de um governo estrangeir­o interferin­do na política doméstica.”

Edmisten disse já ter dado um conselho ao amigo Richard Burr, republican­o à frente do Comitê de Inteligênc­ia do Senado, que investiga o caso da Rússia. “Disse que elestêmque­terumesfor­çobipartid­ário e manter um comitê não político. E que não podem correr [por resultados], que têm que fazer no seu tempo”, diz. “Mas acho que estão fazendo um bom trabalho.”

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