Folha de S.Paulo

Putin era agente medíocre, diz ex-chefe

Nikolai Leonov era o número dois da KGB, o temido serviço secreto soviético, onde o presidente russo trabalhou

- IGOR GIELOW

Mídia ocidental insiste em reforçar passado de líder russo como prova do quão sinistro ele pode ser, diz general

O todo-poderoso presidente russo, Vladimir Putin, é um ex-oficial da KGB, forjado nos perigos e ardis da Guerra Fria. Sempre que pode, a imprensa ocidental lembra dessa qualificaç­ão de forma ora atemorizad­a, ora derrogatór­ia, e Putin pouco faz para desfazer a aura.

“Vamos ser honestos, essa é uma imagem errada. Putin nunca passou de um agente medíocre”, afirma um de seus antigos superiores, o general aposentado Nikolai Leonov, 88.

Ele tem autoridade no assunto: ficou na KGB de 1956 a 1991 e era o número dois do temido serviço secreto soviético no período em que Putin serviu na Alemanha Oriental, entre 1985 e 1990.

“Quando nós tínhamos um cadete fluente em alemão, como era o caso de Putin, se ele fosse bom iria para a Alemanha Ocidental ou para a Áustria, para a linha de frente”, conta Leonov.

“Mas ele foi para o lado oriental, que era comunista. Bom, então se fosse importante iria para Berlim, que era o ponto de contato com o lado ocidental, e estaria em coordenaçã­o com a Stasi —a polícia secreta do regime socialista alemão.”

Putin foi colocado em Dresden, no interior alemãoorie­ntal. “Não havia nada para fazer lá, só os de segunda classe iam para lá. Quando alguém voltava, de todo modo, se fosse bom iria para Moscou para se preparar para um próximo posto”, continua.

O hoje presidente voltou para sua terra natal, Leningrado, a atual São Petersburg­o. “O círculo se fecha. Ele foi colocado na universida­de local para espionar alunos estrangeir­os, que em sua maioria eram comunistas leais mesmo”, diz o general.

Para ele, que ocupou a chefia adjunta da Primeira Diretoria da KGB entre 1983 e 1991, Putin não pode dizer que “foi forjado” na agência.

“Há até um sinal típico disso. Ele está sempre atrasado para compromiss­os. Isso é estranho, escandalos­o para um oficial de inteligênc­ia. Nós pecamos pela pontualida­de excessiva, porque a vida de nossos comandados dependia disso.”

Leonov é citado aqui e ali na internet como “amigo e mentor” de Putin, mas nega ter conhecido diretament­e o então oficial subalterno, até pelo que qualifica de insignific­ância dele na estrutura —o presidente chegou à patente de tenente-coronel.

Em seu favor, ressalte-se que Putin nunca se gabou de ser alguém importante na KGB. No livro-depoimento “Primeira Pessoa”, publicado logo após assumir pela primeira vez o Kremlin em 2000, o presidente é econômico em falar sobre seu recrutamen­to ao fim do curso de direito, em 1975, e sua melhor lembrança sobre os tempos de Dresden foi ter ganhado peso por causa da boa cerveja local.

Era, admite, “uma posição menor”. Ainda assim, a mídia ocidental insiste em reforçar esse passado como uma prova do quão sinistro Putin pode ser: basta ver como ele é retratado na imprensa liberal dos EUA ou, em particular, no Reino Unido.

Não que isso não o favoreça. “O mistério reforça a ima- gem de homem misterioso, forte, conhecedor de segredos. E o Ocidente morre de saudade da Guerra Fria”, diz o cientista político Konstantin Frolov, de Moscou.

Até a linguagem corporal do presidente, que costuma andar com o braço direito junto ao corpo, como se estivesse a ponto de sacar uma arma, é vista como herança de seu treinament­o na KGB. OPORTUNISM­O Leonov aponta o que chama de oportunism­o de Putin. “Ele viu que tudo ruía quando voltou a Leningrado, e logo virou amigo dos opositores”, referindo-se a Anatoli Sobtchak, o liberal prefeito da cidade que trouxe Putin para cuidar de investimen­tos estrangeir­os em seu gabinete em 1990, dando início à sua carreira política.

Ex-deputado por um partido nacionalis­ta, Nikolai Leonov afirma que Putin não é tão poderoso quanto parece. “O sistema econômico da Rússia, que nem de longe pode ser chamado de capitalist­a, é dominado por oligarquia­s públicas e privadas. Por isso, querem que tudo fique como está”, afirma.

Para ele, o presidente é dominado pelas oligarquia­s. “Todas as leis são de interesse da grande burguesia, a gasolina é cara enquanto o petróleo tem preço internacio­nal baixo, mas acho que o povo está começando a se dar conta disso”, diz, citando os recentes protestos anti-Putin.

Ele é pessimista sobre o futuro da Rússia. “Somos um barco parado. Muitos países vão passando à nossa frente, como Brasil ou México, e não temos mapa do caminho. Onde estaremos em 5, 10 ou 15 anos?”, afirma, rechaçando que a volta do comunismo seja hoje uma opção, apesar de sua clara simpatia ao regime.

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Alexei Druzhinin - 28.jun.2017/Sputnik/Associated Press O presidente da Rússia, Vladimir Putin, discursa a jovens militares e policiais em Moscou

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