Folha de S.Paulo

Suspensão busca localizar bens da empresa, diz PGE

- RENATA AGOSTINI FERNANDA PERRIN

DE SÃO PAULO

Luiz Inácio Lula da Silva ainda estava no segundo ano do primeiro mandato quando a Shell recebeu a primeira notificaçã­odogoverno­deSão Paulo. Era 2004, e a Secretaria da Fazenda questionav­a os valores que a multinacio­nal, dona de uma das maiores redes de postos de combustíve­l do país, dizia ter em créditos com o fisco paulista.

O governo discordava dos cálculos da Shell. No seu entendimen­to, eles resultaram em créditos de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadoria­s e Serviços) maiores do que a empresa tinha direito a receber. A Shell pediu tempo para se explicar, não se explicou e foi multada em 2006.

Desde então, Lula foi reeleito, Dilma Rousseff chegou à Presidênci­a, foi reeleita e caiu, vieram mensalão, petrolão, delação. A Shell mudou de nome e virou Raízen. O caso segue em aberto e corre o risco de ser arquivado. A conta beira R$ 150 milhões.

O ICMS é o imposto mais importante para os Estados. Sozinho, responde por 70% da arrecadaçã­o de São Paulo. Quando o contribuin­te contesta valores ou não paga, entretanto, o problema se instala. Só em 2016 foram R$ 25 bilhões inscritos na dívida ativa e R$ 3 bilhões recuperado­s pelo governo paulista.

Emmédia,contandoot­empo da tramitação administra­tiva e o processo judicial, uma autuação fiscal leva 11 anos para ter desfecho, segundo dados do fisco de São Paulo e do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).

A análise do caso da Shell, que já bateu essa marca e segue sem desfecho, expõe a dificuldad­e do governo estadual de cobrar o que entende devido. E ajuda a entender por que o estoque de tributos reclamados pelo fisco paulista supera hoje R$ 350 bilhões. QUE SHELL? Quatro anos após a autuação, o caso saiu da esfera administra­tiva. Sem conseguir recolher o dinheiro, o fisco recorreu a uma ação judicial de cobrança. Em 2010, um oficial de Justiça foi acionado, mas não cumpriu a missão.

DE SÃO PAULO

A reportagem pediu que a PGE (Procurador­ia-Geral do Estado) esclareces­se por que o caso se arrastava por tanto tempo e, mesmo após sucessivas­vitóriasdo­Estado,aação decobrança­seguiasusp­ensa. Primeiro, a PGE disse que o caso estava suspenso à espera de decisão do STF —o caso foi julgado no fim de 2016.

Após insistente­s pedidos, a PGE afirmou que solicitara a suspensão para localizar bensdaShel­lequeexami­navaseoseg­uro-garantiaof­erecido pela empresa “há poucos dias” era suficiente.

ARaízenafi­rmouqueapr­esentou seguro-garantia para cobrir os valores em discussãoc­asopercaeq­uerecolheu R$4,17bilhõese­mICMSpara SãoPaulono­últimos12m­eses. O motivo? Não conseguiu localizar a multinacio­nal.

A Justiça não sabia onde estava a Shell, mas a Shell sabia como acionar a Justiça e logo conseguiu parar a ação, entrando com processo para anular a multa recebida.

Em 2014, veio a primeira decisão contra a empresa. A juízaCynth­iaThomé,da6ªVara da Fazenda Pública, entendeu que a empresa não só deveria pagar o que a Secretaria da Fazenda cobrava como pedira sucessivos prazos na tentativa de fugir da punição.

Na avaliação da magistrada, fora uma “manobra” para se livrar da cobrança —de- pois de um tempo, se não houver a autuação, o fisco não pode mais questionar o contribuin­te. A Shell recorreu da decisão e conseguiu manter a ação de cobrança parada por mais dois anos.

Em 2016, os desembarga­dores do Tribunal de Justiça de São Paulo entenderam, como Thomé, que os argumentos da Shell não deveriam prosperar. Novamente perdedora, a empresa apelou à corte e teve o pedido negado.

Em seis anos de tramitação, a Shell não conseguira convencer nenhum juiz de que seu cálculo estava correto. Com apelação vetada no TJ, o caminho estava enfim aberto para a PGE (Procurador­ia-Geral do Estado) pedir que a ação de cobrança seguisse, tentando arrecadar o que o Estado questionav­a havia mais de uma década. Mas não houve pedido da PGE para o caso andar.

Enquanto isso, a Shell tentou novos recursos. A empresa solicitou que se aguardasse uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) em um caso que versava sobre pagamento de ICMS —a corte declarara repercussã­o geral. O Supremo julgou-o em outubro de 2016, mas em São Paulo o caso seguiu parado.

Em março deste ano, o juiz da ação de cobrança decidiu mantê-la suspensa por ate 360 dias e arquivar o processo, se nada acontecer até lá.

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Edson Silva - 25.abr.2011/Folhapress Posto no interior paulista; disputa milionária entre SP e Shell se arrasta há uma década

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