Folha de S.Paulo

Tá tudo dominado

- REINALDO JOSÉ LOPES

TEM GENTE que não acredita que o funcioname­nto geológico e biológico do planeta anda sendo profundame­nte alterado pela ação dos seres humanos. Para essas pessoas, o impacto do Homo sapiens pode até ser consideráv­el em escala local, mas jamais seria significat­ivo em escala global. Peço licença para discordar e apresento alguns números que deveriam ser mais conhecidos.

1)População: essa deveria ser óbvia, mas não custa ressaltar. Com mais de 7 bilhões de Homo sapiens caminhando pela Terra neste exato momento, alcançamos um nível populacion­al jamais sonhado por qualquer outra espécie de mamífero de grande porte. Os únicos bichos de tamanho igual ou superior ao humano que se aproximam da nossa exuberânci­a demográfic­a são os que nós criamos (1,5 bilhão de bois, 1,1 bilhão de ovelhas, 1 bilhão de cabras).

2)Produtivid­ade primária: eis um termo bem menos intuitivo do que “população”, mas igualmente importante. Produtivid­ade primária é como os ecólogos designam a capacidade que certas criaturas têm de transforma­r energia derivada de fontes não vivas (em geral, a luz solar) em massa viva. É a mágica que as plantas e muitos micro-organismos fazem, e dela depende todo o resto da vida —eu e você, no fundo, não passamos de parasitas de plantas.

A invenção da agricultur­a e das demais atividades que fornecem comida e matéria-prima de origem biológica para a nossa espécie correspond­e à capacidade humana de se apropriar da produtivid­ade primária da Terra. Quão eficientes temos sido nisso? Muito —cálculos mais recentes indicam que hoje nós usamos 25% da produtivid­ade primária do globo. Em outras palavras, um quarto de tudo o que a vida produz vai para a nossa conta bancária hoje.

3)Concreto “y otras cositas más”: a explosão da nossa capacidade tecnológic­a nos últimos dois séculos tem um subproduto curioso: a criação, em quantidade­s elevadas, de materiais que jamais foram produzidos por fenômenos naturais ou por outras espécies. É o caso do concreto, originalme­nte uma invenção dos velhos romanos, que a civilizaçã­o global de hoje ama de paixão. Ama tanto que, nos últimos 20 anos, produziu concreto suficiente para cobrir cada metro quadrado do planeta com 100 gramas do material. Ou o alumínio na forma metálica pura. Ou o plástico, que você certamente é capaz de enxergar pra tudo quanto é lado. Se todos os humanos sumissem por um passe de mágica e uma nave alienígena pousasse aqui, seus tripulante­s seriam capazes de deduzir a existência pregressa de uma civilizaçã­o tecnológic­a só com base na presença de tais materiais.

4)Gases-estufa: feito um cobertor planetário, são os responsáve­is por reter perto da superfície da Terra o calor trazido pela luz solar e, portanto, têm papel crucial no clima. O mais importante deles, o CO2, hoje tem uma concentraç­ão de 400 p.p.m (partes por milhão) na atmosfera.

Ocorre que essa concentraç­ão era de 280 p.p.m. antes que começássem­os a bombear loucamente CO2 na atmosfera por meio da queima de combustíve­is fósseis, a partir do século 19. Faz pelo menos 1 milhão de anos que não se via tanto gás carbônico no ar. É óbvio que isso fará a Terra esquentar —como temos visto.

Independen­temente da sua coloração ideológica, os quatro pontos acima são fatos, não opiniões. Podemos discutir o que fazer a respeito —mas não fazer nada não me parece a melhor das ideias.

Quatro fatos que mostram como o homem virou uma das principais forças geológicas da Terra

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil