Folha de S.Paulo

Final de ‘American Gods’ alude a Jeff Koons

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A PRIMEIRA temporada de “American Gods” chegou ao fim há duas semanas com muito a digerir. A adaptação do livro de Neil Gaiman para a TV pelo pequeno canal americano Starz, exibida no Brasil pelo Prime Video da Amazon, terá segunda temporada e, muito provavelme­nte, terceira.

Mas como os produtores Bryan Fuller e Michael Green vão amarrar todas as histórias e subtramas do livro ainda é uma pergunta a ser respondida, já que pouco mais de 1/3 da trama foi percorrido. Para quem não assistiu a série, este texto contém spoilers.

O último episódio nos deixa com a reunião de velhos e novos deuses na Casa da Montanha, com Bilqis (Yetide Badaki), a esquecida deusa do amor, a caminho para saldar uma dívida que ela tem com Technical Boy (Bruce Langley) após este tirála da sarjeta. Mr. Wednesday (o ótimo Ian McShane) acaba de revelar sua identidade.

Se até o sétimo episódio a série vinha mantendo tons surrealist­as, este final de temporada parece uma obra de Jeff Koons, das mais kitsches e absurdas, com direito a uma versão de Páscoa/Ostara (Kristin Chenoweth) que parece uma Barbie bronzeada e Jesuses para todos os gostos.

O tom soturno dos primeiros episódios também se dissipa em um humor pervertido, com o alívio cômico a cargo da inusitada dupla Laura (Emily Browning) e Mad Sweeney (Pablo Schreiber), uma noivacadáv­er e um deus azarado.

A conexão entre os dois ainda não foi bem explorada, com perguntas em aberto para os próximos capítulos: por que Mad Sweeney matou Laura? Por que ela é uma sacrifício? Por que a ladra galesa que o adorava na época da colonizaçã­o americana tem a mesma cara que a mulher de Shadow (Ricky Whittle)?

É daí e do encontro dos deuses com Bilqis que o enredo deve avançar, ao menos na versão televisiva.

Bilqis, aliás, foi a personagem que ganhou a melhor adaptação para a série (a invenção de um personagem inexistent­e no original, Vulcano, também rendeu cenas impression­antes, muito em linha com o discurso político atual nos EUA).

Por ser um livro que trata de crenças, fé, busca por respostas e tecnologia escrito em 2001, os 16 anos de intervalo entre páginas e telas parecem uma eternidade, então era preciso alguma modernizaç­ão.

Pois a deusa que aparece em várias religiões monoteísta­s ganha direito a conta no Tinder e a templo destruído pelo Estado Islâmico. É ela a primeira divindade a ser apresentad­a na adaptação, é ela quem deixa o ‘cliffhange­r’ para a nova temporada, com sua voracidade sexual

Alegoria folclórica de Neil Gaiman antagoniza fé ancestral com reverência à mídia e à tecnologia

e sua dívida com o deus jovem.

É preciso um gosto específico pela narrativa intrincada e visualment­e profusa de Gaiman, na qual filosofia, crítica social, fantasia e sátira se misturam com cores fortes, para apreciar “American Gods”.

Ainda patinando um pouco, a série parece que será bem sucedida. As subtramas aos poucos vão se fechando, e, no mínimo, é impossível não apreciar o gosto de Gaiman pelo folclore e a psique americana. A primeira temporada de “American Gods” está disponível no Prime Video da Amazon

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Jeremy Davies e Ricky Whittle no último episódio da primeira temporada

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