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NO PRONUNCIAMENTO que fez na última terça(27), o presidente Michel Temer classificou a denúncia de corrupção passiva apresentada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como “uma ficção”.
Momentos antes de chegar a essa conclusão, preparando a plateia, Temer apelidou Joesley Batista de “senhor grampeador” e afirmou: “Criaram uma trama de novela.”
Imediatamente pensei em alguns bons autores de telenovela que, ao ouvir o presidente, devem ter exclamado: “Quem dera!”
O Brasil real, e não me refiro apenas a esta trama que vem sendo encenada nos últimos anos em Brasília, sumiu das novelas já há algum tempo. Mais curioso, tratase de um fenômeno que dá sinais de ser intencional.
Principal produtora de novelas do país, e responsável por dar um padrão ao gênero, a Globo tem apostado numa infantilização radical de suas tramas.
O caso mais recente chega a ser anedótico. A atual novela das 19h30, lançada no início de junho, mudou de nome um mês antes da estreia. Deixou de ser “Pega Ladrão” e virou “Pega Pega”.
E não é apenas o título que remete a brincadeiras de infância. Tudo na trama da comédia reforça a preocupação com leveza e desconexão com a realidade.
Mais sintomático ainda é o caso da atual novela do fim da noite, que agora a emissora chama de “supersérie”. Ambientada entre as décadas de 1970 e 1980, “Os Dias Eram Assim” foi apresentada como uma história de amor afetada pelos acontecimentos políticos daquela época. Rapidamente ganhou o apelido de “Os Dias Não Eram Assim”.
A “supersérie” revelou-se um dramalhão mal construído e, pior, medroso. O contexto político da época foi tão descaracterizado que se tornou incompreensível.
A resistência armada à ditadura foi apresentada como uma iniciativa individual e um empresário amigo dos militares foi transformado em caricatura de vilão.
Ao explicar os índices de audiência baixíssimos dos primeiros capítulos, a Globo teve o atrevimento de divulgar que a culpa foi do público. Pesquisas internas teriam constatado a ignorância dos espectadores em relação aos supostos fatos históricos exibidos.
A emissora divulgou duas medidas para reverter o problema. A primeira, totalmente cosmética, foi a inclusão de algumas cenas mais didáticas, nas quais os personagens explicavam melhor alguns aspectos do pano de fundo histórico.
O que, de fato, elevou o Ibope foi a decisão de antecipar o horário de um dos dias de exibição da história, o que resultou num impulso de cerca de 50% de crescimento da audiência.
Em tempos mais sombrios, as novelas de época foram um dos recursos usados para ludibriar a censura e fazer paralelos com a situação contemporânea.
“Os Dias Eram Assim” cumpre papel exatamente oposto: busca distrair o espectador, cansado da atual crise política e econômica, com uma fábula sem compromisso algum com a realidade.
Voltando a Temer, ao classificar a denúncia de Janot como “trama de novela”, o presidente talvez estivesse se referindo a alguma série americana, como “House of Cards”, “Veep” ou “Scandal” —todas elas muito divertidas, mas com personagens sem a mesma imaginação dos que circulam por Brasília.
Num processo de infantilização que parece intencional, o Brasil real sumiu das novelas da Globo
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