Folha de S.Paulo

À mão e em partes

Nova York, 2002

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ses manuscrito­s do artista não voltariam ao mercado, tornando os remanescen­tes ainda mais raros e disputados.

Para a surpresa geral, contudo, revelou-se em 2001 que a compra pelo Japão havia feito parte das aquisições especulati­vas realizadas por empresas japonesas nos anos 1980, quando obras de arte superavali­adas eram usadas como garantia para alavancar empréstimo­s e negócios de risco.

Em 1990, sobreveio a crise financeira naquele país, e o mercado de arte ruiu. Alguns anos mais tarde, a coleção Schimmel foi entregue a um grande colecionad­or e marchand de peças orientais, Robert H. Ellsworth, por uma empresa endividada que precisou vendê-la rapidament­e pelo melhor preço possível.

Essa venda revelou-se uma oportunida­de extraordin­ária para alguns colecionad­ores apaixonado­s, pois as cartas, de tão numerosas, tiveram de ser oferecidas em lotes de cinco, sete ou mesmo dez itens, o que pareceria impensável antes, quando qualquer peça manuscrita de Lautrec merecia ser um lote individual em um leilão.

Eram tempos em que leilões pela internet não funcionava­m ainda com a eficiência de hoje. Além disso, absurdas falhas na divulgação fizeram com que muitos colecionad­ores e especialis­tas europeus deixassem de receber o catálogo a tempo —e perdessem o pregão.

Assim, a disputa foi relativame­nte menor, e os colecionad­ores que participar­am tiveram a chance de comprar certos lotes por valores muito inferiores aos esperados.

Foi nessa ocasião que pude adquirir dois pontos altos da coleção Schimmel: a primeira carta conhecida de Toulouse-Lautrec, escrita por sua mãe, mas assinada pelo artista aos seis anos de idade, e também a última missiva de sua correspond­ência —um bilhete para sua mãe no verso de uma carta de seu amigo Paul Viaud, de 1901.

Por motivos óbvios, essa última carta é especialme­nte comovente; na verdade, trata-se de um mero adendo de três linhas à carta de Viaud. Em sua edição da correspond­ência, Schimmel considera que essa nota pode ter sido a última mensagem escrita por ToulouseLa­utrec: ele teria pela frente mais seis semanas de vida, apenas.

Viaud evita alarmar Adèle, dizendo que seu filho estava começando a se alimentar e que a água do mar lhe fizera recuperar o apetite. Avisa que devem ficar mais uma semana no balneário de Taussat, próximo a Bordeaux, e que, embora Henri não tivesse tido, antes, nenhuma especial vontade de ver o mar, naquele momento estava encantado.

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A derradeira carta de Henri de Toulouse-Lautrec e Paul Viaud à condessa Adèle, em 1901

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