Folha de S.Paulo

Limbo legislativ­o

-

Cronicamen­te governista, a Assembleia Legislativ­a de São Paulo ameaçou criar problemas para a administra­ção de Geraldo Alckmin (PSDB) nas últimas semanas.

Não foram divergênci­as programáti­cas ou comissões de inquérito, entretanto, que levaram os deputados estaduais a boicotar, durante cerca de 40 dias, a votação de projetos de interesse do Executivo.

O que estava em jogo era algo bem mais comezinho: os parlamenta­res pressionav­am por seus quinhões de verbas no Orçamento paulista —vale dizer, pela execução de despesas por eles incluídas na lei orçamentár­ia em favor de seus redutos eleitorais.

Afinal atendida a demanda, na semana passada, a coalizão situacioni­sta aprovou projeto, tido como prioritári­o pela gestão Alckmin, que trata de aplicações do fundo de previdênci­a dos servidores.

Segundo relato desta Folha , em apenas um dia liberaram-se para os pleitos dos deputados R$ 17 milhões, destinados a 121 municípios. O texto encaminhad­o pelo Bandeirant­es passou com os votos de 66 dos 74 presentes à sessão.

Longe de ser exemplo isolado, o episódio ilustra à perfeição vícios dos legislativ­os nacionais, em particular no âmbito dos Estados.

De mais visível, há o papel subalterno assumido na tarefa essencial de elaborar os orçamentos públicos. No Congresso Nacional, nas Assembleia­s Legislativ­as e nas Câmaras Municipais, prefere-se em geral ratificar a proposta do Executivo, apenas acrescida de emendas de objetivos paroquiais.

Evita-se assim o desgaste de definir prioridade­s e contrariar interesses; a barganha em torno das emendas serve depois para cimentar as coalizões partidária­s.

Na esfera estadual, o fisiologis­mo mostra-se ainda mais acentuado —estudos acadêmicos dedicamse a investigar por que os governador­es muito raramente enfrentam oposição local. Caso quase caricatura­l, aliás, é o de São Paulo, onde o PSDB domina o Bandeirant­es e a Assembleia há duas décadas.

Entre as hipóteses aventadas para o fenômeno está a pouca relevância das legislaçõe­s a cargo das Assembleia­s (as matérias mais cruciais para os cidadãos estariam em leis federais e municipais), associada ao enorme poder de nomeações do chefe do Executivo.

Seja qual for a explicação, não soa promissora a recém-noticiada iniciativa da Alesp de contratar, por R$ 35 milhões anuais, serviços de publicidad­e para divulgar seus atos. Menos pelo valor envolvido, mais pela falta do que propagar.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil