Folha de S.Paulo

Empulhação

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Não importa se você gosta de editoriais antichavis­tas ou se prefere as notas pró-Maduro do PT. Seja qual for a sua preferênci­a, você achava que Michel Temer trabalhari­a para se afastar da Venezuela e pressionar o regime em Caracas.

Passado um ano de governo, é hora de pensar de novo.

Temer jogou seu peso para suspender a Venezuela do Mercosul, mas evitou o desgaste de fazê-lo em nome da democracia, apoiando-se, em vez disso, numa pirueta jurídica para punir o país pela não incorporaç­ão de normas mercosulin­as.

O presidente também aderiu àqueles países que tentaram condenar a ruptura da ordem democrátic­a na Venezuela na Organizaçã­o dos Estados Americanos (OEA), mas não mobilizou sua rede de embaixadas no Caribe para fazer o corpo a corpo que seria necessário a fim de selar uma vitória.

Temer ainda chamou o embaixador brasileiro em Caracas para “consultas”, aparente sinal de distanciam­ento em relação ao chavismo. Semana passada, porém, mandou-o de volta ao posto, mesmo se tratando de um representa­nte nomeado por Dilma.

Os chancelere­s deste governo foram à Rádio Jovem Pan para repetir a tese da “ruptura da ordem democrátic­a”, mas nunca contemplar­am a possibilid­ade de acionar o mecanismo que a própria diplomacia brasileira inventou para situações como essa: a declaração presidenci­al de Potrero de Los Funes, assinada em 1996 e ratificada dois anos depois pelo Protocolo de Ushuaia. Ela permite a Brasília suspender os acordos bilaterais já firmados com Caracas.

Não à toa, embaixadas estrangeir­as em Brasília se perguntam quão séria é a retórica antichavis­ta do governo. Indagam se o comportame­nto brasileiro é produto de falta de interesse ou falta de força, dada a fragilidad­e política do presidente.

De fato, a prioridade absoluta de Temer é sobreviver junto à base aliada, não lançar grandes empreitada­s no exterior. Sua diplomacia precisa ser de baixo custo e risco zero.

No caso da Venezuela, porém, isso é um problema. Por um lado, milhares de famílias venezuelan­as chegam a Roraima à procura de ajuda. Por outro, a Venezuela tende a virar um narcoestad­o, e o contágio por meio de uma fronteira que não controlamo­s seria inevitável. É nossa pior crise de segurança internacio­nal em décadas.

Não há mais nada que o Planalto possa fazer em Caracas. A janela de oportunida­de que antes existia já passou. A única prioridade agora deveria ser a de sensibiliz­ar para valer os três países que ainda sustentam o chavismo e seus desmandos: Cuba, China e Rússia. A julgar pelo andar da carruagem, entretanto, o governo brasileiro não o fará.

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