Folha de S.Paulo

Austeridad­e fisiológic­a

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Nelson Barbosa; sábado: Marcos Sawaya Jank;

Em busca dos votos para barrar a denúncia de corrupção passiva que tramita na Câmara, o presidente Michel Temer recebeu políticos a cada meia hora durante 13 horas em seu gabinete na terça-feira (4). Como já revelava uma manchete do jornal “Valor Econômico” do dia 27/6, o “custo de apoio” ao presidente parece ter subido muito nas últimas semanas. Em meio à crise, certamente é das poucas coisas que cresceram bem acima da inflação.

Os dados do Siafi —o sistema de gastos orçamentár­ios do governo federal— analisados pela agência Reuters indicam que o total de recursos liberados em 2017 para emendas parlamenta­res e restos a pagar passou de R$ 959 milhões para R$ 1,5 bilhão só no mês passado.

Ou seja, apenas no mês de junho essa rubrica, que, como se sabe, engloba uma moeda universalm­ente aceita no mercado de compra de apoio no Congresso, teria somado R$ 529 milhões —quase o valor liberado no acumulado do ano até a divulgação das delações da JBS.

No debate que antecedeu a aprovação da PEC 241/55, que estabelece­u um teto para o total de gastos primários do governo federal, muito se falava sobre supostos ganhos de eficiência na alocação dos recursos públicos proporcion­ados pela regra. Segundo os defensores da medida, ao se deparar com um limite rígido de despesas, o governo seria obrigado a gastar com o que realmente importa.

Mas qual a escala de prioridade­s do governo? Na feira do apoio parlamenta­r, garante-se primeiro o Orçamento para a rejeição à denúncia e depois para a aprovação das reformas. Enquanto isso, o reajuste do Bolsa Família foi suspenso por falta de dinheiro e a volta da emissão de passaporte­s se dará pela retirada de recursos de outras áreas. Afinal, a arrecadaçã­o maior em taxas de emissão não importa em nada para o cumpriment­o do teto de despesas.

Todos sabíamos que vender o governo do PMDB como bastião da responsabi­lidade fiscal era uma contradiçã­o em termos. Mas achar que bastaria impor um teto rígido de despesas para livrar-nos do fisiologis­mo era muita ingenuidad­e. Em meio às exigências de austeridad­e, a conquista de apoio parlamenta­r —a única tecnologia de governo dominada pelo grupo de Michel Temer— consome boa parte do Orçamento.

Em vez de livrar-nos de um governo corrupto e ilegítimo, cada novo escândalo acaba fazendo com que se gaste mais para manter coesa a base aliada e, consequent­emente, com que sobre menos recursos ainda para as áreas prioritári­as. Ou seja, a permanênci­a de Temer na Presidênci­a não é apenas vergonhosa, está custando caro demais para a população.

Nesse caos, alguns comemoram e outros lamentam que o governo pode não ter força o suficiente para aprovar a reforma da Previdênci­a. Com o esforço para barrar a denúncia, talvez Michel Temer se contente mesmo com a aprovação da reforma trabalhist­a em 2017, deixando a reforma da Previdênci­a para o Orçamento de 2018.

Sua aprovação também deve custar caro, mas dizem que vale a pena. Afinal, passaríamo­s a gastar menos com as aposentado­rias e —agora sim— sobraria alguma coisa para o que realmente importa. Fica faltando só um detalhe: o que importa para quem? LAURA CARVALHO,

Única tecnologia de governo de Temer, conquista de apoio parlamenta­r consome boa parte do Orçamento

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