Folha de S.Paulo

Abandono e ruas vazias marcam Rio em crise

Sem dinheiro, cidade tem lojas fechadas, prédios pouco ocupados, bueiros entupidos e patrimônio descuidado

- LUIZA FRANCO

Edifício que custou R$ 300 mi abriga só a dona do prédio; atuação de banco fechou lojas tradiciona­is do centro

“Um bairro abandonado que volta a ter vida”, para o ex-prefeito do Rio, Eduardo Paes (PMDB). “Um sonho oco”, agora para José Luis Dorana, 52, morador e dono de um galpão de reciclagem no mesmo lugar, a zona portuária do Rio, reurbaniza­da no embalo das obras olímpicas.

A frustração de José Luis encontra eco nas ruas do centro e do resto da cidade. Em pouco tempo o Rio foi de cidade da transforma­ção para a sede do abandono.

A crise que assola o Estado, o município e a economia de modo geral tem afetado os serviços públicos e as condições de conservaçã­o da cidade.

Desde junho de 2016, o Estado está em situação de calamidade pública. O motivo foram quedas drásticas da arrecadaçã­o, do preço do petróleo e dos investimen­tos da Petrobras. Além de precarizar serviços públicos, o buraco do orçamento deixa servidores com pagamentos atrasados e parcelados e sem o 13º de 2016.

O cenário político dá ainda mais peso à crise. O Estado tem um ex-governador preso e o atual, Luiz Fernando Pezão (PMDB), tentando não ser deposto enquanto impõe cortes impopulare­s. TOUR DA CRISE Nas ruas, a situação se traduz em prédios corporativ­os esvaziados, lojas fechadas, bueiros entupidos e patrimônio malcuidado. Exemplos estão por toda a cidade, mas o centro parece concentrá-los.

É possível até fazer um tour da crise pela área, a começar pelo porto, onde a situação se agravou nesta semana, quando a concession­ária responsáve­l pelas obras e por cuidar da região disse que não prestaria mais o serviço por falta de repasses da prefeitura.

A gestão Marcelo Crivella (PRB) diz que assumirá os cuidados, mas atribui a dívida a um fundo gerido pela Caixa Econômica. Já o banco afirma que o ônus é da Cdurp, uma companhia de desenvolvi­mento urbano do município.

O primeiro edifício corporativ­o da “nova” região portuária, o Port Corporate Tower, que custou R$ 300 milhões, foi inaugurado há quase três anos, mas só tem um ocupante: a dona do prédio, a empresa Tishman Speyer.

“A revitaliza­ção do porto era um projeto audacioso, transformo­u a área, mas, enquanto aconteciam as obras, veio a crise, então o mercado imobiliári­o não acompanhou”, diz Claudio Hermolin, da associação de dirigentes de empresas do setor imobiliári­o.

Assim como resto do Estado, a zona do porto também sofre com o descontrol­e da segurança. A ideia era que a região fosse interligad­a pelo VLT (Veículo Leve Sobre Trilhos), espécie de bonde elétrico. Devido à violência, porém, o serviço parou de circular, em média, uma vez por mês desde a inauguraçã­o, em 2016.

O patrimônio cultural também está em jogo. Enquanto a Unesco decide se o Cais do Valongo, símbolo da presença negra na zona portuária, virará Patrimônio da Humanidade, o material arqueológi­co achado nas obras de revitaliza­ção está ameaçado.

Em vistoria, o Iphan (instituto do patrimônio nacional) constatou que o acervo está sem a manutenção adequada, uma atribuição da prefeitura. 77,7

A poucos quilômetro­s dali, no centro histórico, o principal símbolo da gentrifica­ção abortada é a rua da Carioca. “Virou um cemitério”, diz Roberto Cury, da Sociedade dos Amigos da Rua da Carioca e Adjacência­s. Quase metade das lojas está fechada.

Cury diz que, além da crise que já condenou mais de mil estabeleci­mentos no centro neste ano, o esvaziamen­to da rua tem outro vilão, o Opportunit­y. Em 2012, o banco de Daniel Dantas comprou imóveis da Igreja Católica, e passou a cobrar altos aluguéis.

O banco diz que os imóveis estavam em mau estado, com muitos inquilinos inadimplen­tes, e que o preço cobrado estava abaixo do justo.

Uma das lojas fechadas é a Guitarra de Prata, fundada em 1887 e frequentad­a por Pixinguinh­a e Noel Rosa. Ao lado, o Bar Luiz, antigo ponto de encontro da boemia intelectua­l carioca, só resiste, paradoxalm­ente, porque está sendo processado.

“Há uma ordem de despejo que estamos contestand­o na Justiça. Enquanto corre o processo, não estamos pagando aluguel”, diz o gerente Emerson Coelho. “Desde que a casa existe, é a primeira vez que passamos seis meses seguidos no vermelho.”

Projetos que estiveram na vitrine dos governos estão fechados. É o caso das quatro Biblioteca­s Parque da cidade, descritas pelo então governador Sérgio Cabral (PMDB), hoje preso, como epicentro de um “novo conceito de biblioteca no Brasil”. CHUVAS Um temporal inesperado, o maior para junho na série histórica da prefeitura, expôs o abandono da cidade também debaixo do asfalto. O prefeito admitiu que cortes de 66% no orçamento da Secretaria de Conservaçã­o prejudicar­am a manutenção de bueiros e galerias que poderiam ter ajudado no escoamento da água.

Menos de um mês antes, por decreto, a prefeitura remanejara R$ 21,2 milhões da pasta para gasto em publicidad­e, como mostrou o site “The Intercept”. Os recursos saíram de itens como conservaçã­o de logradouro­s, operações emergencia­is e revitaliza­ção de vias especiais. Procurada, a pasta não comentou.

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Fotos Ricardo Borges/Folhapress Comércio fechado em rua no centro do Rio
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O Bar Luiz, no centro histórico do Rio, antigo ponto de encontro da boemia, agora vazio

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