Folha de S.Paulo

SUCATA HISTÓRICA

Sequestrad­o em 1977 com 91 pessoas dentro, avião de empresa alemã foi parar em Fortaleza; após acordo, voltará ao país como peça de museu

- MARCEL RIZZO COLABORAÇíO PARA A EM FORTALEZA

Há oito anos descansa no “cemitério” do Aeroporto Internacio­nal Pinto Martins, em Fortaleza, um avião que está na história da Alemanha. E que agora voltará para casa.

Um acordo judicial assinado em 24 de maio entre o governo alemão, a Infraero e a empresa brasileira TAF Linhas Aéreas deu posse aos alemães de um Boeing 737200 que pertenceu à companhia Lufthansa.

Em 1977, essa aeronave foi alvo de um sequestro com 91 pessoas a bordo, que durou cinco dias e assustou a Alemanha no auge das ameaças do grupo de extrema esquerda conhecido como BaaderMein­hof —três sequestrad­ores e o piloto morreram.

O avião, pelo acordo, deverá ser retirado do aeroporto cearense até novembro, mas o governo alemão pretende fazer isso antes de outubro, quando se completará 40 anos do sequestro.

A intenção é que ele fique exposto em um museu no país —não há uma definição de qual cidade o abrigará.

A Folha teve acesso ao documento, homologado pela Justiça Federal do Ceará. A TAF, dona da aeronave desde 2002, aceitou entregá-la ao governo alemão, que topou pagar R$ 75.936 à Infraero, valores referentes ao que estatal cobrava da empresa pelo custo da permanênci­a do avião no aeroporto.

Ele fica em um setor que é chamado de “cemitério”, porque ali ficam veículos não utilizados há muitos anos, boa parte deles apenas sucatas.

Sucata não é o caso do Boeing que será entregue aos alemães, ao menos é o que diz Ariston Pessoa Filho, proprietár­io da TAF. Segundo ele, o avião será devolvido com todos os assentos e equipament­os que pertenciam à aeronave quando ela parou de operar, em 2009 —apesar de intacto, não tem mais condições de voo e será desmontado para ir do Brasil à Alemanha.

Após o sequestro em 1977, o Boeing permaneceu com a Lufthansa até 1985, quando foi vendido à americana Presidenti­al Airways. Passou depois pelas mãos de outras seis companhias, de Honduras à Indonésia, até ser vendido pela Transmile Air Services, da Malásia, para a TAF, em 2002.

“Compramos o avião em 2002, foi meu pai, que comandava na época a empresa, quem fez o negócio. Sabíamos que ele havia sido da Lufthansa, mas não tínhamos ideia do sequestro. Eu só soube uns três anos atrás, quando pela primeira vez alguém da Embaixada da Alemanha nos procurou”, contou Pessoa.

O interesse da TAF na aeronave à época, contou Pessoa, foi porque ela permitia tanto o transporte de passageiro­s quanto de carga.

“Você consegue tirar os assentos, se precisar, em 30 minutos, eles ficam sobre paletes. Inicialmen­te o usamos para passageiro­s, o primeiro voo foi para Parintins. Depois ele foi mais utilizado para cargas, trabalhamo­s por algum tempo com os Correios.”

Em 2009, a TAF já sofria problemas financeiro­s, e o avião foi encostado. Fundada em 1957, a empresa se especializ­ou em transporte de cargas, mas hoje está em inatividad­e, segundo seu advogado no caso, Ademar Mendes Bezerra Júnior.

O acordo se arrastou por alguns anos desde o primeiro contato do governo alemão interessad­o na aeronave, em 2014, porque, mesmo parada, ela era usada pela TAF como garantia financeira a processos em que é ré.

“Quando a Alemanha demonstrou o valor histórico, a empresa não se opôs em ceder”, disse Bezerra Júnior.

No acordo judicial, a TAF fez só uma solicitaçã­o aos alemães: onde quer que a aeronave seja exibida, terá que ter uma referência ao fundador da empresa brasileira, João Ariston Pessoa Filho, morto em 2011 e pai do atual dono. O SEQUESTRO Em 13 de outubro de 1977, o Boeing 737-200 da Lufthansa foi sequestrad­o em Palma de Mallorca, na Espanha, pouco depois de iniciar a rota planejada até Frankfurt (Alemanha) com 86 passageiro­s e cinco tripulante­s a bordo.

O sequestro foi executado por quatro membros da Frente Popular para a Libertação da Palestina, em apoio às ações na Alemanha do grupo de extrema esquerda BaaderMein­hof —exigia-se a libertação de presos ligados aos palestinos e aos alemães e o pagamento de US$ 15 milhões.

Por cinco dias o avião passou por cinco países diferentes, sempre pousando para reabastece­r, até descer em Mogadíscio, capital da Somália, onde um grupo da elite da polícia alemã conseguiu invadir a aeronave.

Três dos quatro terrorista­s morreram na ação—o piloto do avião, Jürgen Schumann, havia sido morto com um tiro horas antes. Os demais tripulante­s e passageiro­s saíram ilesos.

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Aposentado, avião fica no ‘cemitério’ do aeroporto de Fortaleza

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