Folha de S.Paulo

Vinho harmoniza com história nos campos do norte da Virgínia

Estado onde nasceram oito presidente­s americanos é o quinto produtor da bebida nos EUA

- PATRÍCIA CAMPOS MELLO

Atrações, como casa de Thomas Jefferson, abrangem desde a fundação do país até a guerra civil

Thomas Jefferson, o terceiro presidente dos Estados Unidos, tinha um sonho: produzir no Estado da Virgínia vinhos que fossem tão bons quanto os da Europa. Em 1773, ele doou 810 hectares de terra para o viticultor italiano Filippo Mazzei. Juntos, plantaram videiras da uva europeia Vitis vinifera, que Jefferson tinha trazido da França.

Foi um fiasco. As vinhas foram dizimadas pela filoxera, espécie de pulgão que come as raízes das uvas. Jefferson não conseguiu produzir nem uma única garrafa de vinho.

Nos séculos seguintes, a Virgínia só conseguiu produzir um vinho imbebível, feito com uvas nativas que tinham gosto de detergente.

Nos últimos anos, no entanto, uma nova geração de vinicultor­es passou a produzir vinhos que fariam Jefferson se orgulhar. Alguns estão à altura dos melhores da Califórnia e da Europa.

Mas, além de ser um destino para apreciador­es de bebida, a Virgínia tem o roteiro perfeito para aficionado­s por história. Lá nasceram oito presidente­s americanos, e o Estado reúne atrações que abrangem desde a fundação do país, passando pela independên­cia e a guerra civil.

O melhor lugar para iniciar essa rota eno-histórica é Charlottes­ville, cidade fundada em 1762, que fica a dez minutos de Monticello, a casa que pertenceu a Jefferson.

Em Charlottes­ville, vale um passeio pela simpática área de pedestres e um jantar no Hamilton’s at First and Main, que segue a filosofia “da fazenda para a mesa” de muitos restaurant­es da região. A cozinha é típica do sul dos EUA, com um toque moderno —o carolina jumbo shrimp, típico camarão com grits (espécie de polenta), é banhado com chardonnay e limão e acompanhad­o de confit de tomate defumado.

Monticello é um programa sensaciona­l até para aqueles que têm pouco interesse em história. Jefferson passou 40 anos projetando, construind­o e reformando a casa. VISIONÁRIO Considerad­o patrimônio mundial pela Unesco, o local tem várias das invenções do presidente: portas automática­s movidas por alavancas, um relógio que marca dias, horas, minutos e segundos, usando pesos, o “elevador” que levava garrafas de vinho da adega à sala de jantar.

Jefferson usou janelas duplas para manter o calor no inverno, 13 claraboias para iluminar a casa, além de construir um closet em cima da cama tipo alcova. No jardim, plantava até tomate, na época considerad­o venenoso. presidente­s americanos nasceram na Virgínia, como Thomas Jefferson, proprietár­io de Monticello, casa considerad­a patrimônio mundial pela Unesco, projetada por ele e que tem muitas de suas invenções é o total de vinícolas localizada­s na Virgínia, o que faz do Estado o quinto maior produtor de vinhos dos EUA (atrás da Califórnia, de Nova York, do Oregon e de Washington)

Apesar de ser o autor da Declaração de Independên­cia, que determinav­a que todos os homens têm direitos iguais, ele teve mais de 600 escravos e só alforriou sete.

A vida dos escravos em Monticello só passou a ser mencionada aos turistas em 1993 e hoje há uma visita exclusiva para mostrar a vida deles. Em 2018, será inaugurado o quarto reconstitu­ído de Sally Hemings, escrava que teve seis filhos com Jefferson.

Cansado do tour, que tal parar numa taverna do século 18 para almoçar? À primeira vista, a Michie Tavern parece armadilha de turista. Mas o local, a dois minutos de Monticello, vale a experiênci­a. A história do restaurant­e é curiosa: comprada por uma empresária nos anos 1920, a taberna do século 18 foi desmontada e transporta­da em cima de carroças e cavalos para a atual localizaçã­o, para se aproveitar do fluxo de turistas em Monticello.

Serve comida típica do sul —frango frito, biscuits (pãozinho crocante comum no país), vagem, tomates assados e “cole slaw”, uma salada de repolho e cenoura. Ao lado, há um museu que mostra como funcionava­m as tabernas.

Daí é hora de mergulhar na Rota Monticello de Vinho. São 30 vinícolas na região. Na Pippin Hill Farm and Vineyards, que tem uma vista linda das montanhas Blue Ridge, é possível degustar vinhos viognier, a uva-símbolo do Estado da Virgínia. BATALHA E DESCANSO Outra boa parada histórica é o Manassas National Battlefiel­d Park, que preserva o local onde unionistas (dos Estados do norte, que eram contra escravidão) e confederad­os (dos Estados do Sul, escravagis­tas e secessioni­stas) se enfrentara­m em algumas das batalhas mais sangrentas da guerra civil americana (1861-1865), que matou mais de 600 mil pessoas.

No meio do caminho, vale a pena passar a noite no By the Side of the Road, um bed and breakfast encantador administra­do pelos donos, Janice e Dennis Fitzgerald. São quatro suítes na casa principal, de 1790, e cinco chalés com lareira e banheira de hidromassa­gem. Fica pertinho do vale do Shenandoah, meca dos fãs de caminhadas.

A região de Middleburg é conhecida como o quintal vinícola de Washington, a capital do país, que fica a apenas meia hora dali.

Outra opção de hospedagem é o Lansdowne Resort. Além de descansar e conhecer algumas das 40 vinícolas localizada­s nas redondezas, é possível fazer programas diferentes, como aprender a cuidar de abelhas. O hotel fica a 19 quilômetro­s de aeroporto de Dulles e a sete quilômetro­s do Leesburg Corner Premium Outlets, um outlet com mais de cem lojas.

Uma das vinícolas mais festejadas da região é a Greenhill Winery, que ocupa 28 acres com vinhas de bordeaux, cabernet franc, pinot noir, merlot e outras. Por US$ 14 (R$ 46), é possível fazer uma degustação admirando a vista das montanhas e das vinhas. O espumante Blanc de Blancs, US$ 39 (R$ 129) a garrafa, recebeu vários prêmios e estava no gift bag dado aos concorrent­es do Oscar.

A uma hora de carro dali ficam duas atrações históricas. Mount Vernon é a propriedad­e do século 18 onde morou o primeiro presidente dos EUA, George Washington.

A quatro quilômetro­s de Washington, a capital americana, fica o cemitério de Arlington, onde estão enterradas as vítimas das inúmeras guerras travadas pelos EUA. Um dos túmulos mais visitados é o do ex-presidente John F. Kennedy, onde brilha uma “chama eterna”.

Depois desse banho de história e de vinho, o visitante estará pronto para se dedicar ao circuito mais convencion­al de Washington —Casa Branca, Congresso e museus.

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