Folha de S.Paulo

ANÁLISE Relatos iniciais indicam uma vitória por pontos do russo

- IGOR GIELOW

Se não ganhou por nocaute, algo que de resto não acontece nesse tipo de encontro, Vladimir Putin colheu uma vitória confortáve­l por pontos em seu primeiro encontro com Donald Trump.

Naturalmen­te, isso é o que foi possível captar das versões disponívei­s da reunião. Numa sala em que apenas os dois líderes, seus chancelere­s e intérprete­s estavam presentes, é claro que a verdade emergirá aos poucos.

Nessa camada exterior dos fatos, os conflitant­es relatos sobre o espinhoso tema da influência russa na eleição americana soaram bem desfavoráv­eis a Trump.

O ministro russo Sergei Lavrov afirmou categorica­mente que Trump aceitou a afirmação de Putin de que nenhuma autoridade russa esteve envolvida em tal ação.

Há 13 anos no cargo, Lavrov é experiente demais para mentir nesse caso. Nos último tempos, aliás, sua franqueza tem impression­ado aqueles que o acompanham.

No dia 30 passado, em um seminário na companhia do decano americano da diplomacia Henry Kissinger em Moscou, ele foi perguntado pelo analista militar Ruslan Pukhov se o Kremlin não estaria jogando “do lado errado” em questões mundiais.

Respondeu diretament­e que, supondo a Ucrânia como tema da conjectura, a ação seria inevitável, já que populações russas estavam sob ameaça na Crimeia e no leste do país. Em tempo, a política oficial em Moscou é dizer que não tem nada a ver com separatist­as da região do Donbass, e que na península anexada em 2014 apenas prevaleceu a vontade popular.

Para piorar a situação de Trump, apesar de insistir que seu chefe cobrou Putin várias vezes sobre o tema, o secretário de Estado, Rex Tillerson, considerou que o tema poderia ficar para trás em nome de uma agenda positiva.

Isso dificilmen­te irá satisfazer a imprensa americana liberal. Ela quer a cabeça de Trump numa bandeja de qualquer forma, ainda que seja muito pouco claro até aqui como de fato a eleição possa ter sido decidida em favor do republican­o por interferên­cia externa.

Mas a versão que fica é de que Trump aceitou a palavra de Putin, e não a dos seus serviços de inteligênc­ia.

A linguagem corporal também favoreceu Putin. O russo mal olhou para o rosto do americano durante as palavras iniciais, ouviu que Trump estava “honrado” sem mexer um músculo da face.

Por fim, os apertos de mão foram firmes, mas breves, evitando alimentar o anedotário do republican­o no setor.

Obviamente, isso é só a superfície de um mar cheio de assuntos vitais para os dois líderes: Coreia do Norte, China, Ucrânia, sanções ocidentais, livre comércio, Síria e o Oriente Médio em geral.

Aos poucos os vazamentos seletivos começarão a pintar o real quadro de uma relação que é vista em Moscou como muito difícil, até porque havia uma expectativ­a de reatamento após o desastre bilateral dos anos Barack Obama que não se concretizo­u.

Não menos porque Trump precisa se mostrar distante do Kremlin para o público doméstico nos EUA.

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