Folha de S.Paulo

Mistério cerca operação de líder anti-Putin

Ex-aliados suspeitam que blogueiro Alexei Navalni possa ser peão em disputa de poder entre aliados do Kremlin

- IGOR GIELOW Q U I S T Ã O M O N G Ó L I A C H I N A J A P Ã O

Detalhes sobre o partido e como ele é financiado são opacos, e partidário­s fogem de entrevista­s na Rússia

“Não vou falar com você. Te dou meu telefone, mas não atenderei. Me procure no Facebook”, disse a moça de uns 30 anos, cabelo ruivo algo desarrumad­o e olhar assustado.

Era Kira Yarmish, expulsando o repórter da sala comercial 21, no quinto andar do centro Omega Plaza, ao sul do centro de Moscou.

O local, na rua de nome sugestivam­ente revolucion­ário Assentamen­to Lênin, é o quartel-general de operações de Alexei Anatolievi­tch Navalni, o ativista que virou ícone da oposição ao Kremlin do presidente Vladimir Putin.

A Folha buscou escrutinar a organizaçã­o de Navalni, que quer disputar a Presidênci­a em 2018. Encontrou mais dúvidas do que respostas, a começar pela negativa de Kira, sua porta-voz, que não mais atendeu a reportagem.

Aos 41 anos, o advogado e blogueiro anticorrup­ção é uma estrela fora da Rússia e está em toda roda de conversas sobre política no país.

Afinal, diferentem­ente dos antecessor­es no cargo de esperança do Ocidente contra Putin, ele logrou levar cerca de 250 mil pessoas às ruas pelo país, em dois protestos neste ano contra a corrupção, os maiores atos desde 1991.

Foi chamado pela revista britânica “The Economist” de “a maior ameaça a Putin”, e um longo perfil na americana “The New Yorker” o definiu como “um homem tão forte, ou tão perigoso, ou tão livre —talvez todas essas coisas— que as ferramenta­s usuais do Kremlin não funcionam contra ele”.

Para antigos aliados, ele está mais para uma peça autorizada a participar do jogo.

“Não podemos dar apoio a ele, embora não negue que ele seja muito carismátic­o e a agenda contra corrupção seja boa. Digo os motivos. Primeiro, ele usa métodos ilegais, com convocaçõe­s provocativ­as, que colocam jovens em risco. Isso não é democrátic­o. Segundo, estão usando ele numa guerra interna”, afirma Emilia Slabunova, presidente do primeiro partido a que Navalni foi filiado, o Iabloko.

Ela relembra que Navalni nunca acusa Putin diretament­e pela corrupção. Seu alvo nominal mais vistoso é Dmitri Medvedev, o premiê e ex-presidente (2008-12), objeto de um webdocumen­tário em que o blogueiro o acusa de enriquecim­ento ilícito.

E quem o manipulari­a? “Pode ser algum oligarca. Talvez Setchin, mas não tenho como provar”, diz, em referência ao presidente da Rosneft (a Petrobras russa), Igor Setchin, visto como possível sucessor de Putin no sistema e desafeto do premiê. REDE DE DOAÇÕES Segundo a Folha apurou junto a pessoas com acesso à empresa, a teoria pode não ser exatamente conspirató­ria, mas de dificílima comprovaçã­o: o dinheiro que irriga o banido Partido do Progresso e a Fundação Anticorrup­ção de Navalni vem todo de doações via internet.

Onde muitos veem um “crowdfundi­ng” à la Barack Obama, outros suspeitam de um modo simples de esconder a origem do dinheiro.

Com efeito, quando concorreu com sucesso à Prefeitura de Moscou em 2013, Navalni amealhou o equivalent­e a US$ 3 milhões pela web. Ficou num segundo lugar robusto, com 27%, contra 51% do prefeito putinista.

Para se ter ideia, a campanha de Putin à Presidênci­a declarou ter gasto o teto de US$ 12 milhões em todo o território russo um ano antes. Os valores estão corrigidos.

Seria então Navalni um “proiekt” (projeto, em russo), gíria local para políticos de oposição,masqueserv­empara dar um verniz democrátic­o ao jogo e acabam usados em disputas palacianas?

Talvez. Por outro lado, Navalni organizou sua rede de apoio em 60 das 85 regiões russas, com declarados 120 mil voluntário­s. E levou multidões à rua que, incidental­mente ou não, gritaram palavras de ordem também contra o próprio Putin.

“Os protestos só ocorreram porque há insatisfaç­ão. Se fosse pelo Navalni, ele nem iria tentar ser candidato. A posição de líder informal é muito mais vantajosa”, pondera Alexei Levinson, diretor do Centro Levada, principal instituto independen­te de opinião pública russo.

Nos levantamen­tos do Levada, Navalni tem só 1% de intenção de voto para presidente —Putin tem 63%. De todo modo, em junho a Comissão Eleitoral o impediu de concorrer por ter uma condenação a cinco anos de prisão.

A sentença, que está estranhame­nte suspensa, é suficiente para deixá-lo de fora da disputa. Navalni acusa uma armação no caso, que o aponta como beneficiár­io de um desvio de madeira enquanto dava consultori­a num governo local em Kirov.

“Navalni é um homem corajoso, e estão perseguind­o ele”,disseramqu­aseemuníss­ono as estudantes Vera, 18, e Masha, 20. Os nomes são fictícios, a pedido delas, que não se recusaram a serem fotografad­as, contudo.

As duas trocavam mensagens eletrônica­s com amigos na pracinha em frente à estação Tertiakovs­kaia do metrô Crimeia Moscou São Petersburg­o Rússia* PARTIDOS 74 (4 dominantes) HABITANTES 147 milhões ELEITORES 111 milhões Nijni Novgorod Iekaterinb­urgo REGRAS PARA CANDIDATUR­A EM 2018 Partidos dominantes Se for filiado a um dos partidos representa­dos na Duma (Câmara), e este representa­r ao menos 1/3 das 89 regiões russas, basta apresentar o nome e tê-lo aprovado QUANTIDADE DE CADEIRAS POR PARTIDOS NA DUMA 343 Rússia Unida Novosibirs­k Partidos menores Se for filiado a partido sem representa­ção, são necessária­s 111 mil assinatura­s (1% do eleitorado), de todas as regiões, e ter o nome aprovado TOTAL 450 cadeiras Independen­tes Se for independen­te, são necessária­s 333 mil assinatura­s (3%) do eleitorado, de todas as regiões, e ter o nome aprovado moscovita em 26 de junho e relutaram em falar de política. “Tivemos amigos presos no protesto de março, eu mesma quase fui levada”, diz Vera, citando os cerca de mil detidos então em Moscou. Essa atração à geração que cresceu já na era Putin, iniciada em 2000, é chave para a estratégia de Navalni.

Mesmo com itens como a abertura da economia em seu programa resumido na internet, é a luta contra a impressão de que o Estado é corrupto que motiva esses jovens —7 milhões deles que não votaram no pleito de 2012 estarão aptos agora, por terem completado 18 anos.

“Mas isso é insuficien­te para eleger alguém, só essa plataforma”, afirma Levinson, que relativiza ao falar de outros grupos sociais importante. Entre eles, os mais velhos e, principalm­ente, aqueles que viveram o trauma do fim da União Soviética e da bagunça dos anos 1990, bem ou mal controlada por Putin.

O próprio Navalni sabe disso, ao manter um discurso nacionalis­ta eivado ocasionalm­ente por chauvinism­o.

Quer “paz com a Ucrânia”, mas disse que não devolveria a Crimeia anexada por Putin em 2014 —ativo que ajuda a manter o presidente com mais de 80% de aprovação, mas que vem cedendo lugar à insatisfaç­ão econômica.

Além de outros dois contatos malsucedid­os no escritório e, depois, no Facebook, a Folha buscou falar com os líderes regionais listados na página do partido. De 60 contatos, 20 distribuíd­os pelo país foram procurados por e-mail. Ninguém respondeu.

Chefe do partido em Moscou, Nikolai Ialskin não respondeu a cinco ligações, a quatro mensagens por Whats App e a contato no Facebook.

“Aqui é assim, temos de manter tudo meio em sigilo porque a polícia está de olho”, defendeu um jovem chamado Iuri, voluntário no escritório de Navalni que descera para tomar um café no térreo do centro empresaria­l, que cobra entre R$ 22 mil e R$ 31 mil mensais de aluguel em salas como a do QG.

É uma argumentaç­ão válida, usada pela mulher de Navalni, Iulia, vista como o cérebro político do casal.

Além do rumoroso caso judicial e outros secundário­s, que já lhe valeram uma tornozelei­ra eletrônica, Navalni encerrou na sexta (7) sua segunda prisão temporária no ano por protestos ilegais.

Alguns de seus escritório­s, inclusive o visitado pela Folha, foram vistoriado­s pela polícia na quinta (6) sob alegação de locação irregular.

Neste ano, Navalni foi atacado com uma substância verde e teve de fazer um tratamento na Espanha para recuperar a visão de um olho.

“Normalment­e, ele estaria presoporum­bomtempo”,diz Emilia,lembrandod­osmenos bem-sucedidos opositores Garry Kasparov (exilado nos EUA) e Mikhail Khodorkovs­ki (exilado na Suíça após dez anos de cadeia). Sem falar em Boris Nemtsov, crítico de Putin assassinad­o a poucos metros do Kremlin, em 2015.

O jovem voluntário de Navalni pode ter razão, mas, se a revolução do chefe se ampara na transparên­cia por ele pregada, ela falta quando o assunto é seu modo de operação. A opacidade de sua aura se torna mais intensa à medida que se aproxima dela.

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Alexander Zemlianich­enko - 12.jun.2017/Associated Press Manifestan­tes em Moscou erguem cartaz a favor do líder oposicioni­sta Alexei Navalni, cuja rede de apoio tem crescido
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Igor Gielow/Folhapress Interior do centro Omega Plaza, onde fica o escritório de Alexei Navalni, em Moscou
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