85/95 eleva desigualdade na aposentadoria
Fórmula que garante benefício integral favorece os mais ricos e amplia diferença de renda para os mais pobres
Mulher que usou regra obteve aposentadoria 81% maior em relação à que utilizou o fator previdenciário DE SÃO PAULO
Herança maldita da rixa entre a ex-presidente Dilma Rousseff e o ex-deputado federal Eduardo Cunha, a fórmula 85/95 agravou a desigualdade de renda e custa ao menos R$ 200 milhões por mês aos cofres do governo.
Desde que passou a vigorar,emjulhode2015,atémaio de 2017 (dado mais recente disponível), ela beneficiou 4 em cada 10 pessoas que se aposentaram pela modalidade de tempo de contribuição.
Em média, homens adiaram em um ano a aposentadoria e obtiveram um benefício até 49% maior do que os que usaram o fator previdenciário, segundo balanço feito pelo INSS a pedido da Folha.
Entre mulheres, a espera foi maior —2 anos—, mas o ganho foi de até 81% em relação às que usaram o fator.
A vantagem é significativa também em relação ao ganho de cerca de 7% ao ano que uma mesma pessoa obtém ao esperar mais tempo para usar o fator previdenciário. ELITE DA ELITE Isso ocorre porque a nova fórmula garante benefício integral a quem atinge os pontos necessários (veja quadro). Antes de julho de 2015, o fator previdenciário reduzia o valor total do benefício.
Uma mulher, por exemplo, com 32 anos de contribuição e 53 anos de idade pode receber perto de R$ 5.500 se tiver contribuídopelotetodoINSS.
Sem a fórmula 85/95, o valor seria reduzido pelo fator previdenciário de 0,544, ou seja, receberia R$ 3.009,03.
A brecha criou uma “elite dentro da elite” —os que se aposentam hoje por tempo de contribuição, sem exigência de idade mínima. % de aposentados até 59 anos % de empregados % de desempregados % de empregados domésticos % de benefícios de 1 salário mínimo % de benefícios acima de 3 SM
De janeiro a maio de 2017, o valor médio recebido por quem chegou à soma de pontos foi R$ 2.937,31 (ambos os gêneros), 45% acima dos R$ 2.021,55 de quem usou o fator.
A reforma da Previdência, mesmo que sobreviva à crise política, deve amainar só em parte o efeito das aposentadorias na desigualdade de renda. A fórmula 85/95 deve deixar de existir, mas quem já se aposentou por esse modelo ou já cumpre as condições para isso continuará tendo direito ao benefício integral, até o teto do INSS. ABISMO MAIOR A regra do 85/95 elevou ainda mais a desigualdade entre os mais ricos, com mais acesso ao trabalho formal, e os sujeitos a trabalho com vínculos mais precários, que se aposentam por idade.
Quando se comparam as fatias extremas, a aposentadoria pelo fator 85/95 chega a ser o triplo da por idade (na média de 2015). Desde que a fórmula foi criada, o benefício médio foi 2,5 vezes o de quem se aposenta por idade.
“O balanço deixa claro que os mais pobres, menos instruídos e mais sujeitos a desemprego são os que se aposentam por idade, com benefícios menores”, diz Paulo Tafner, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor da Universidade Candido Mendes.
Quase 8 em cada 10 dos que precisaram esperar a idade mínima recebem só um saláriomínimopormêse93% ficam na faixa até dois salários mínimos. Mais de 70% dos que estavam desempregados ou eram domésticos se aposentaram por idade.
Já entre os que estavam empregados na hora da aposentadoria, 70% usaram o modelo por tempo de contribuição, sendo que 28% obtiveram o benefício integral garantido pela fórmula 85/95.
Além disso, os mais ricos conseguem continuar trabalhando após a aposentadoria, o que torna sua renda ainda maior em relação à dos mais pobres (leia abaixo). CONTRARREFORMA “A regra foi na verdade uma contrarreforma da Previdência”, comenta o economista e consultor do Senado Pedro Nery. “Ela reverte o fator previdenciário, que já era um remendo para a ausência de idade mínima, instituído na reforma de 1998.”
Ele ressalta, no entanto, que a tendência é que a proporção dos que se beneficiam da fórmula deve cair.
“Quando a nova regra começou a valer, havia um estoque grande de segurados esperandoparaconseguirum fator previdenciário mais vantajoso. De uma hora para a outra, eles passaram a ter os requisitos para conseguir a aposentadoria cheia.”
Ainda que a proporção caia,osefeitosserãoduradouros, diz o economista do Ipea Rogério Nagamine Costanzi.
“A idade média das mulheres que usaram a fórmula 85/95 é 56 anos. Isso corresponde a uma expectativa de sobrevida de 27 anos, ou seja, o benefício maior terá impacto por mais três décadas.”
No total, 218.656 pessoas obtiveram aposentadoria pelo valor mais alto entre julho de 2015 e abril deste ano. A um valor médio de R$ 2.813,44, elas custavam naquele mês R$ 615 milhões.
Se estivessem recebendo a média dos que não usaram a fórmula (R$ 1.901,79), o custo mensal dessa fatia seria de R$ 416 milhões.