Folha de S.Paulo

Havaianas busca resistir à crise da J&F

Caso raro de sucesso no exterior, marca, hoje nas mãos dos donos da JBS, está à venda pela 2ª vez em dois anos

- JOANA CUNHA

Irmãos Batista querem vender empresa para reduzir dívida; delação deve servir de barganha para interessad­os

Uma das raras marcas brasileira­s que conseguira­m construir reconhecim­ento internacio­nal, a Havaianas está à venda pela segunda vez em menos de dois anos.

Sem deformar nem soltar astiras,comopregav­aseuslogan na década de 1970, a respeitada grife de chinelos tem aguentado o tranco de passar de mão em mão entre controlado­res que tiveram suas imagens devastadas na Lava Jato.

A Havaianas lidera pesquisas de lembrança de marca por consumidor­es, com mais de 50% de menções em países como Argentina, Austrália, Angola e Portugal. Mas especialis­tas afirmam que até ativos de sucesso podem sentir reflexos negativos se permanecer­em por muito tempo sob o guarda-chuva de um grupo de reputação corroída.

Primeiro, o grupo Camargo Corrêa vendeu a Alpargatas —dona da marca de sandálias criada no início dos anos 60— para a J&F, holding de Joesley e Wesley Batista.

Atransação,anunciadae­m novembro de 2015, foi uma tentativa da Camargo de dar alívio a um endividame­nto superior a R$ 20 bilhões nos negócios do conglomera­do, que vinham sofrendo os efeitos da crise nas atividades de construção e produção de cimento, além de ter assinado um acordo de leniência com Ministério­Públicosec­omprometen­do a devolver quase R$ 1 bilhão após admitir participaç­ão nas fraudes investigad­as pela Polícia Federal.

Foi nesse cenário que a J&F fez uma oferta de R$ 2,67 bilhões para adquirir 44% do capital da Alpargatas.

A empresa saiu ilesa da primeira venda e permanece um ativo cobiçado, mas a pressa pode influencia­r o valor da nova transação, estimam especialis­tas. RESISTÊNCI­A A notícia da delação dos irmãos Batista veio à tona em meados de maio. No fim de junho, a J&F e a Cambuhy Investimen­tos (da família Moreira Salles, acionistas do Itaú Unibanco) anunciaram que já estão em negociaçõe­s. 226,2

A Alpargatas tem resistido às intempérie­s da economia com indicadore­s financeiro­s satisfatór­ios, segundo o professor de finanças da FIA Marcos Piellusch. Desde que foi adquirida, seu valor de mercado subiu de R$ 4,5 bilhões para R$ 6 bilhões.

“Isso mostra que tem investidor­es querendo assumir o controle da empresa, que veem nela uma alternativ­a.”

No entanto, como a J&F tem certa urgência em vender o ativo para fazer caixa, a tendência é que o valor seja mais favorável para o comprador, segundo Cesar Caselani, professor de finanças da FGV.

“Se tivessem vendido a Alpargatas antes da delação, seria diferente. Agora, é natural que o comprador tenha algum poder de barganha e a J&F tenha que dar um desconto”, ressalva Caselani.

A Alpargatas desistiu também de levar adiante o plano anunciado em abril de migrar para o Novo Mercado da Bolsa, nível mais elevado de governança corporativ­a.

O especialis­ta em marca Jaime Troiano, diretor da TroianoBra­nding, afirma que sair do âmbito da J&F neste momento e, “se possível, cair nas mãos de empresas honradas”, será benéfico para as marcas que atuam no varejo, “embora não seja evidente para o consumidor em geral a relação entre a Havaianas e nomes como JBS e Camargo”.

Após a delação, as marcas ligadas aos Batista se tornaram alvo de campanhas de boicote de consumidor­es. Os irmãos querem obter R$ 15 bilhões nos próximos meses, vendendo negócios do grupo paraabater­dívidadeR$70bilhões e lidar com restrições de crédito que enfrentam. Uma parte desse recurso viria da venda de ativos da JBS, principal atividade dos irmãos.

Procurada, a Alpargatas não quis se manifestar.

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Rodrigo Paiva/Folhapress Loja da Havaianas na rua Oscar Freire, em São Paulo (SP)

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