Imagem negativa da matemática atrapalha alunos
Ana Claudia Souza, 18, é praticamente uma exceção na sua escola. É que a estudantedo3ºanodoensinomédio não gosta de matemática. Mas isso não a impediu de ter faturado uma medalha na OBMEP (Olimpíada de Matemática das Escolas Públicas).
A premiação dela não foi uma novidade na escola estadual Augustinho Brandão, que acumula 131 medalhas desde 2006. Esse fenômeno não só colocou a escola de Cocal dos Alves, no interior do Piauí, em evidência nos últimos anos, como também ajudou a criar uma onda de empolgação com a disciplina.
“O incentivo dos professores faz a gente até gostar”, explica Ana Claudia, que planeja se formar em direito e se tornar policial.
Cocal dos Alves tem menos de 6 mil habitantes. Cercada de uma bela vegetação de caatinga, com as suas árvores baixas, mas muito verde, a cidade ostenta casas simples em ruas de pouco movimento, algumas delas de terra.
O IDHM (Índice de Desenvolvimento Humano) do município é um dos mais baixos do Brasil: 0,498, enquanto o mais baixo, de Melgaço (MA) é de 0,418, segundo dados publicados em 2012.
O prédio mais vistoso de Cocal é exatamente o da escola Augustinho Brandão. A construção foi providenciada pelo governo do Piauí na esteira dos bons resultados conquistados pelos alunos.
Pelo menos desde 2011 a escola atinge no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) os melhores resultados entre escolas com o mesmo perfil socioeconômico —ficando acima da média do país. Isso tem garantido aprovações expressivas em universidades federais, conta a diretora, Aurilene Brito, 34.
No ano passado, da turma de 18 alunos do 3º ano, 15 entraram em instituições públicas. Neste ano, a escola tem 44 alunos no 3º ano —26 deles em tempo integral, o restante no período noturno.
“Estamos em uma escola de baixa renda, e eles veem na escola uma oportunidade real de mudar de vida. Nós temos de olhar e acreditar”, diz.
No cargo há oito anos, Aurilene insiste que o trabalho de equipe e a ética dos profissionais, “que precisam entender sua responsabilidade", é a parte crucial do trabalho. “Nosso diferencial é que tudo funciona direitinho, não é pontual, é permanente”. OLIMPÍADA A perspectiva de conseguir umavaganauniversidadepelo Enem ajudou no engajamento dos estudantes. Mas foi a Olimpíada de Matemática que criou uma ponte entre Cocal dos Alves e o resto do país, fomentando um clima de amor aos estudos da disciplina na escola.
O professor de matemática Antonio Cardoso do Amaral, 37, foi o responsável por incentivar a participação. Entre os alunos, é repetidamente lembrado como um exemplo e, não por acaso, muitos querem ser professor.
“No começo, foi preciso muita insistência para eles estudarem e com poucos resultados. Mas depois ficou mais equilibrado: não precisou de tanta insistência e os resultados começaram a contribuir também”, diz Amaral.
A competição, organizada pelo Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), aprova para a segunda fase, no máximo, 5% dos participantes
Escola estadual pobre em Cocal dos Alves consegue bons resultados
Cocal dos Alves de cada escola.
Na última edição, só 1 dos 25 alunos da escola não foi premiado. Assim, na Augustinho Brandão, a maior disputa ocorre mesmo entre os próprios colegas.
Na premiação, medalhistas viajam para o Rio e ainda contam com bolsa de R$ 100 por mês ao longo de um ano.
Filhos de lavradores que não terminaram o ensino fundamental, os irmãos Anderson e Jeferson Brito, ambos de 15 anos, estão na segunda fase e participam do reforço para a OBMEP na escola.
“Quero tentar ir pro Rio, a premiação é no mesmo lugar E.E. Augustinho Brandão Média no Enem 2015* 559,48 503,0 464,0 onde premiam os melhores do campeonato brasileiro, é um lugar que queria conhecer, de gente importante”, diz Jeferson, que pretende estudar matemática no futuro. TRADICIONAL Osprofissionaisdescrevem o projeto da escola como tradicional. Aulas e exercícios, muitos exercícios. O livro didático é seguido à risca, respeitando a grade de aulas da secretaria de Educação.
Quem não faz as tarefas vai para a diretoria. Reincidências geram suspensão.
“Pra quem quer alguma coisa, essa escola é a melhor do mundo”, diz Fernanda Veras Rodrigues, 16. Aluna do 3º ano, ela diz que o Enem é como uma fixação. “Tem que estudar, é a única oportunidade que tem pra gente”.
A postura da escola já gerou efeitos colaterais, como altos índices de reprovação, que chegaram aos 50%.
A equipe diz atacar o problema. No passado, 7 dos 43 alunos do 1º ano do ensino médio reprovaram. Uma taxa de 16%, acima da média nacional (12%).
Com um regimento firme (é proibido usar brinco) a escola conseguiu consolidar um acordo com os alunos em torno dos estudos. Mesmo com 324 alunos, do 6º ano do fundamental ao 3º do médio, poucos são atendidos pela diretora por não fazer a lição.
“O mais difícil é achar os aliados”, diz Amaral, sobre os alunos. “Se fizer isso, fica muito mais fácil”.
DE SÃO PAULO
Você recebe uma pergunta matemática e a primeira coisa que vem à cabeça não é a solução, mas sim: não sei matemática, vou errar. É o que se chama de “ansiedade matemática”, explica o professor Flavio Comin, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
“Essa sensação ocupa a memóriadetrabalhoeéquase uma profecia autorrealizável”, completa Comin.
O pesquisador afirma que dificuldades dos alunos com o aprendizado de matemáticatemumarelaçãofortecom as famílias. “Os pais não sabemmatemáticae,apartirdo 4ºe5ºano,começamasedesengajarnoacompanhamento dos estudos dos filhos.”
A falta de estímulos para que os estudantes se interessem pela disciplina atinge todo tipo de aluno.
“Mas em um país com grandedesigualdades,ascrianças de classe média alta podemteraimpressãodeque nãoprecisamseesforçar,elas sabem o lugar onde estão”, diz o docente, que coordena estudossobreoconhecimentomatemáticodeadultos,em relação a outros países.
Diretor do Impa (Instituto deMatemáticaPuraeAplicada), Marcelo Viana também insiste na imagem negativa do tema. “O Brasil é de longe o país que tem menos contato com a matemática pura”, dizele,queécolunistada Folha. “O discurso que a matemática é difícil, só para gênios, cria um álibi de que não é preciso aprender”, diz.
Ambos pesquisadores ressaltam o impacto da qualidade de professores.
“Todos os estudos mostram a importância do professor. E a dificuldade aqui do ponto de vista da gestão dasaladeaulaéqueaformação ainda é muito teórica”, completa Comin, da UFRGS.
E o problema é mais grave.Emtodoopaís,67,5%dos professores de matemática doensinomédionemsequer têm formação na área.
A Base Nacional Comum Curricular é vista por especialistascomoumpotencialde mudança. Além de definir o que os alunos devem aprender a cada ano da educação básica,odocumento—ainda em análise— deve impactar em alterações no modelo de formação docente no país.
Antonio José Lopes, especialista em didática para o ensino da matemática, não étãootimista.“Abaseengessa o conteúdo por série. Não prevê que a aprendizagem da matemática evolua como um processo. Limita o ensino a tópicos fragmentados.”
O custo de o país ir mal em matemática se tornará, segundo estudos, cada vez mais alto. Sobretudo porque praticamente todo o desenvolvimento tecnológico tem forte ligação com a área.
Entre 1980 e 2012, ocupações que exigiam, ao mesmo tempo,elevadashabilidades matemáticasecaracterísticas como a capacidade de trabalhar em grupo aumentaram 7,2pontospercentuaisemrelação ao total da força de trabalhonosEstadosUnidos,de acordocompesquisadoeconomista David Deming, da Universidade Harvard (EUA). OUTRAS ÁREAS