Folha de S.Paulo

Referência, médico recomendav­a empresa com falso aval da Anvisa

Em carta de 2012, Eduardo de Rose referendav­a firma de atual diretor da ABCD

- PAULO ROBERTO CONDE

ANTIDOPING

Tido como principal referência no combate ao doping no país, o médico Eduardo de Rose forjou autorizaçã­o da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para recomendar­aempresaA&ANunes, cujo então proprietár­io é o atual diretor de operações da ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem), Alexandre Velly Nunes.

A Folha obteve documento de abril de 2012 em que De Rose, então secretário-executivo da ABA (Agência Brasileira Antidoping), faz lobby para a A&A Nunes —mais conhecida no mercado pelo seu nome fantasia: No Doping.

Ele atesta que a empresa de origem gaúcha, criada em 2008, é a única do país que detém “autorizaçã­o da Anvisa para exportar amostras biológicas de urina não contaminad­as de atletas, para diagnóstic­o toxicológi­co por laboratóri­os credenciad­os pela Agência Mundial Antidoping (Wada) no exterior”.

Tal declaração assinada pelo médico era distribuíd­a a confederaç­ões, federações e outras entidades esportivas.

Na prática, o endosso valia como importante aval dos serviços oferecidos pela companhia, ainda mais devido às credenciai­s de De Rose.

A carta também fazia com que entidades dispensass­em licitações por entenderem que a companhia prestava serviço de caráter exclusivo.

A ABA, atrelada ao COB (Comitê Olímpico do Brasil), era quem regulava o combate ao doping antes de a ABCD, órgão federal fundado em 2011, entrar em operação como uma das promessas de legado dos Jogos do Rio-2016.

Antes mesmo de a ABCD começar a operar, em 2013, a ABA foi encerrada pelo COB.

A Anvisa, porém, contesta a declaração do médico. Após analisar o documento a pedido da reportagem, a agência negou ter concedido qualquer permissão para empresas do país exportarem material biológico. Assim, a A&A Nunes jamais recebeu aval dela, como informado.

“A Anvisa não emite qualquer autorizaçã­o para exportação de amostras biológicas, e também não emitia à época”, informou o órgão à Fo- lha, em alusão à declaração assinadapo­rDeRoseem2­012.

“O documento não foi elaborado pela Anvisa.”

O órgão do governo federal também afirmou que “não anui na exportação de kit antidoping e não emite nenhuma autorizaçã­o para exportação destes produtos”.

Na declaração da ABA, o médico ressalta outras qualidades da empresa de Nunes. Como, por exemplo, o fato de ela atender às confederaç­ões de automobili­smo, basquete, canoagem, ciclismo, desportos aquáticos, judô e lutas.

A missiva também diz que a No Doping “conta com oficiais de controle de doping que seguem o Padrão Internacio­nal de Teste da Wada e que possui uma cadeia de custódia das amostras dentro das exigências legais”.

A Folha também obteve outras mensagens trocadas entre o médico e presidente­s de confederaç­ões nas quais ele recomenda a empresa como mais gabaritada a realizar serviços antidoping.

Procurado, De Rose nega ter qualquer ligação com a companhia e que só “conhece” os proprietár­ios dela (leia mais ao lado). INVESTIGAÇ­ÃO A No Doping detém expressiva fatia do mercado de coleta e envio de amostras no país e foi dirigida por Alexandre Nunes até 2016, quando ele recebeu nomeação para a autoridade brasileira, que funciona como uma secretaria do Ministério do Esporte.

Hoje, ela é gerida por seus filhos Alexandra e Rodrigo e permanece em atividade.

A empresa é alvo de investigaç­ão do departamen­to de inteligênc­ia da Wada por suspeita de oferecer informação privilegia­da a um cliente, o que Alexandra nega.

De Rose pertenceu a comissões médicas do COB e da Odepa (Organizaçã­o Desportiva Pan-Americana) e participou da fundação da Wada.

Ele também foi chefe do departamen­to antidoping dos Jogos Olímpicos do Rio.

 ?? Bruno Alencastro - 24.nov.2016/Agência RBS/Folhapress ?? O médico Eduardo de Rose, que chefiou o antidoping dos Jogos Olímpicos do Rio e foi um dos fundadores da Wada
Bruno Alencastro - 24.nov.2016/Agência RBS/Folhapress O médico Eduardo de Rose, que chefiou o antidoping dos Jogos Olímpicos do Rio e foi um dos fundadores da Wada

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