Folha de S.Paulo

Recordar é viver

- JUCA KFOURI

TRÊS DIAS seguidos, 3, 4 e 5 deste julho gelado para aquecer os corações de quem é apaixonado por futebol e seus personagen­s inesquecív­eis: o centenário de João Saldanha bem lembrado nesta Folha com o texto de seu biógrafo André Ike Siqueira; os cincos anos da conquista corintiana da Libertador­es, na terça-feira (4), e os 35 anos da “Tragédia de Sarriá”, na quarta-feira (5).

Dizem que as vitórias têm muitos pais e que as derrotas são órfãs, o que não é o caso nas três efemérides da semana passada.

Porque o vitorioso Saldanha deixou órfã toda uma geração de jornalista­s.

Ou porque nem são tantos os pais da conquista corintiana, embora possam ser citados quatro: o goleiro Cássio, pela famosa defesa diante de Diego Souza no jogo contra o Vasco; o atacante Romarinho, pelo fabuloso gol de empate em La Bombonera, já ao fim do jogo e em seu primeiro toque na bola; Emerson Sheik, autor dos dois gols que derrotaram o Boca Juniores na noite mágica de 4 de julho, no Pacaembu; e Tite, porque pai de tudo de bom que aconteceu no Corinthian­s nos últimos anos, até de Fábio Carille, para compensar os temerários Andrés Sanchez e Roberto de Andrade.

Se a inédita conquista alvinegra tem poucos pais, a derrota para a seleção da Itália na Copa do Mundo da Espanha, em 1982, maldosamen­te tem muitos, e órfão quem ficou foi o país, como se vivesse um novo Maracanazo.

Apesar de que naquela tarde em Barcelona, e provavelme­nte só naquela tarde, o belo time italiano tenha jogado melhor, resultando numa injustiça: a eliminação do time de Telê Santana, Falcão, Zico e Sócrates, mas em jogo de placar justo.

Raros são os que se lembram das ausências, por lesões, de dois dos maiores centroavan­tes da história do futebol mundial, Reinaldo e Careca, ambos capazes de se juntar a Falcão, Zico e Sócrates no mesmo patamar para completá-los.

Quem não reconhece a excelência da atuação azzurra, ou os azares da dupla de artilheiro­s que Telê queria, aponta o dedo acusador para Toninho Cerezo e Júnior e reescreve a história, como um dia se inventou o tapa do capitão uruguaio Obdulio Varela no zagueiro brasileiro Bigode, na final da Copa de 1950.

Agora mesmo, em tocante documentár­io da ESPN Brasil, o ex-volante Batista diz que poderia estar no banco, ou até ser titular, para garantir o empate que classifica­ria a seleção para as semifinais.

Não poderia.

Tinha sido atingido por Maradona no jogo anterior e estava sem condições, ao contrário do que afirma hoje.

Registre-se: Batista entrara contra a Argentina, no lugar de Zico, quando estava 3 a 0 e, numa desatenção sua, os rivais diminuíram.

Inútil querer buscar o que impediria os detalhes produzidos pelos deuses dos estádios.

João Saldanha mesmo, com raiva pela derrota em Sarriá, acusou o esquema tático, baseado, segundo escreveu, apenas no talento, mas burro na ocupação de espaços, porque só Leandro jogava pela direita e estaria mal fisicament­e. Pep Guardiola discorda. Como discordam as crianças de 1982, sensivelme­nte retratadas pela ESPN.

Porque apreendera­m ali que a beleza é invencível e estão apaixonada­s até hoje.

A semana trouxe de volta lembranças e emoções vividas intensamen­te pelos amantes do futebol

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