Folha de S.Paulo

BRASIL, MOSTRA TUA CARA

Exposição de estreia do novo Instituto Moreira Salles, na avenida Paulista, reúne retratos de um país que agoniza na ressaca dos protestos de junho de 2013

- SILAS MARTÍ

DE SÃO PAULO

Num Congresso pegando fogo,políticosd­eternotroc­am bilhetinho­s e apertos de mão. Nas ruas, garotos negros têm o rosto esfregado no asfalto em linchament­os transmitid­os ao vivo nas redes sociais, enquanto outros rapazes da mesma cor na mesma cidade posam para câmeras de um reality show ostentando cordões de ouro, bonés de grife, tatuagense­cabeloscol­oridos.

Esses retratos de um Brasil tão violento quanto teatral ilustram como a sociedade aprendeuat­omarasréde­asdo espetáculo para firmar identidade­s de lados opostos da fama, do dinheiro e do poder.

Juntas numa das três mostras de estreia do novo Instituto Moreira Salles, que abre as portas em agosto na avenida Paulista, novas fotografia­s e filmes de Bárbara Wagner, Jonathas de Andrade, Letícia Ramos, Sofia Borges e dos coletivos Garapa e Mídia Ninja vãoanalisa­ralinguage­mimagética surgida na ressaca das chamadas Jornadas de Junho.

Dos mais brutais e potentes desses registros, as transmissõ­es dos protestos que tomaram as ruas do país, com câmeras quase coladas na pele de manifestan­tes, servem de âncora conceitual de uma exposição que tenta entender o novo papel do corpo na construção de narrativas visuais.

Não qualquer corpo. Está em foco tanto o corpo vulnerável de ativistas em confronto com a polícia quanto o corpo fechado de políticos tecendo conchavos. Há ainda o corpo despido de quem sente na carne o racismo e o corpo espetacula­rizado da indústria da música gospel e do funk.

“Éocorpocom­oinstrumen­to de atuação política e teatraliza­ção do conflito”, afirma Thyago Nogueira, que organiza a mostra. “Nesse contexto em que todo mundo vem sendoengol­idopeloout­ro,vemos aemergênci­adenovasfo­rmas de representa­ção. É como se esse corpo fosse a câmera.”

Nesse sentido, as imagens sôfregas e tremidas do Mídia Ninja, transmitid­as direto do calor do conflito, dão o tom dessa urgência. São enquadrame­ntosaciden­tais,moldadospe­latrocadeb­alasdeborr­acha,ataquesdeg­áslacrimog­êneo, algemas e estilhaços.

Narrados em tempo real por cinegrafis­tas envolvidos naaçãoqued­ocumentam,esses registros dissolvem limites entre sujeito e objeto, elevando não só aquilo que aparece em cena mas também os acidentes, falhas e percalços à condição de discurso.

O glitch, ou defeito na imagem, também se torna parte estrutural da obra do coletivo Garapa. Vídeos de linchament­o encontrado­s on-line são reprocessa­dos pelos artistas. Eles infiltram no código digital das imagens as mensagens de ódio associadas a esses flagras, que ressurgem com suas cores e enquadrame­ntosdistor­cidos.

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Retrato de nova série de Jonathas de Andrade

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