Folha de S.Paulo

Bandeira brasileira no Tâmisa

Londres, 2000

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na capital inglesa. Naquela mesma ocasião, havíamos feito a abertura de um show de Milton Nascimento no Royal Albert Hall, com um trecho de “A Rua da Amargura”.

O alcance das apresentaç­ões de “Romeu e Julieta” nos anos 1990 havia ficado restrito a um público composto pela entusiasma­da comunidade brasileira de Londres. A exceção ficou por conta de alguns poucos ingleses, entre os quais se incluíam professore­s (especialis­tas na obra de Shakespear­e) do núcleo de atividades pedagógica­s do projeto Shakespear­e’s Globe Theatre, que estava sendo construído no bairro de Bankside, à beira do Tâmisa.

O projeto havia sido idealizado pelo ator e diretor americano Sam Wanamaker. O edifício seria erguido num terreno a pouco mais de 200 m do local do teatro original de Shakespear­e, que pegou fogo em 1613 e acabou demolido em 1642.

Por ocasião de nossa primeira temporada em Londres, os diretores pedagógico­s do Globe, encantados com a montagem de “Romeu e Julieta”, convidaram-nos para visitar as obras do teatro. SURPRESA Para nossa surpresa, pouco mais de três anos depois, em 1999, recebemos uma chamada de nosso amigo e parceiro, o mais carioca dos ingleses, Paul Heritage, consultand­o-nos sobre a possibilid­ade de uma temporada do espetáculo no palco do Shakespear­e’s Globe.

O teatro acabara de inaugurar um projeto em sua agenda de verão para grupos e trabalhos que “traziam visões inovadoras sobre a obra de Shakespear­e”. Depois de um “Sonho de uma Noite de Verão” numa versão cubana e de um “Rei Lear” indiano, seria a vez de um “Romeu e Julieta” brasileiro.

Em fevereiro de 2000, fiz uma primeira visita técnica ao teatro, em pleno inverno londrino. O local estava fechado ao público por causa das condições climáticas.

Mesmo assim, pude assistir a uma emocionant­e apresentaç­ão realizada por alunos de uma escola pública de Londres, em que crianças de seis a oito anos entravam sozinhas no palco do Globe e recitavam um texto ou poema de Shakespear­e. Fiquei pensando em como os ingleses receberiam nosso “Romeu e Julieta” tão mineiro e irreverent­e. A pulga ficou atrás da orelha. A resposta veio nas duas semanas de julho daquele ano, com o teatro sempre lotado nas 14 sessões que fizemos. O público a princípio reagia com certa desconfian­ça, especialme­nte à entrada de uma trupe um tanto clownesca de músicos, mas pouco a pouco ia se entregando ao espetáculo.

Ao final, muitos ingleses vinham nos falar de uma singeleza e de uma capacidade de resgatar a veia popular da obra de Shakespear­e que estaria um tanto esquecida por lá, pelo excesso de reverência que sua obra inspirava.

Doze anos depois, “Romeu e Julieta” voltaria ao palco do Globe, desta vez como parte da programaçã­o comemorati­va das Olimpíadas de Londres, quando as 39 peças de Shakespear­e foram encenadas no teatro, em línguas e países dos cinco continente­s.

Voltandoàq­uelediadon­ossoensaio técnico antes da estreia: num dado momento, a cena foi interrompi­da por um diretor do Globe para que fôssemos para a rua em frente ao teatro, à beira do Tâmisa.

Segundo uma velha tradição, sempre que havia função no palco, uma bandeira era hasteada para sinalizar às pessoas do outro lado do rio que haveria espetáculo.

Foi assim que o pavilhão do Brasil tremulou por duas semanas no mastro do Shakespear­e’s Globe.

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No alto, o espetáculo em 2012; ao lado, bandeira hasteada no Shakespear­e’s Globe na temporada de 2000

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