Folha de S.Paulo

PARA QUE ESSA BOCA TÃO GRANDE?

- THALES DE MENEZES

Lobão lança agora seu quarto livro, “Guia Politicame­nte Incorreto dos Anos 80 pelo Rock”. Seu perfil mordaz, tagarela e colecionad­or de inimigos faz qualquer leitor potencial pensar em páginas e páginas do autor espinafran­do colegas da música.

Por essa ótica, o volume entrega o que promete. Em seu livro mais engraçado e mais bem escrito, Lobão parte de 1976 e vai até o início da década de 1990.

Dedica um capítulo a cada ano, destacando na abertura o que de mais relevante aconteceu no mundo e nas artes naquela temporada. Depois, vai montando a história a partir de sua visão, que vê os grandes nomes estabeleci­dos na MPB apreensivo­s com a ascensão do rock nacional.

“Os diretores das gravadores vinham do tempo da jovem guarda. Davam orçamentos milionário­s aos tais grandes nomes, davam Mercedes de presente para eles, que tinham US$ 2 milhões para fazer um disco, e a gente gravava com US$ 50 mil”, diz à Folha, no estúdio que montou em sua casa, em São Paulo.

Se há humor e pertinênci­a em suas análises musicais, muitos podem implicar com sua obstinação em dedicar tanto espaço para criticar com agressivid­ade a produção de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque, além do contemporâ­neo Herbert Vianna, dos Paralamas, em cujo trabalho ele detecta cópias de suas criações.

Com o livro ainda para chegar às livrarias, nenhum dos nomes criticados quis comentar a obra. AUTOCRÍTIC­A “Estou emotivamen­te desapegado do que estou criticando, não estou querendo pegar no pé de ninguém. Sou crítico comigo também. Não tem um disco que eu fiz nos anos 1980 que preste.”

“Não falo com o Bernardo Vilhena [seu parceiro nos anos 1980] há 20 anos, mas ele tem seu valor nessa história. O Herbert, bem, tivemos essa rixa, é uma bosta, mas ele fez coisas bacanas.”

Lobão afirma querer entender como funciona “a intimidaçã­o desses caras, a razão de serem inexpugnáv­eis, formarem um Olimpo inatacável da música brasileira”.

Sobra para Roberto Carlos. “O Roberto fazendo o milionésim­o especial da Globo! Aquilo é uma merda, uma imoralidad­e. Se algo assim existisse enquanto outras manifestaç­ões musicais corressem soltas, tudo bem, mas isso não acontece. Intimidam o que é diferente!”

Nos relatos, surgem muitas passagens com nomes do rock brasileiro que já morreram, como Julio Barroso, Cazuza e Renato Russo. Ele diz achar graça de quem aponta uma estratégia de “falar pelos mortos”, já que não estão mais aqui para contestá-lo.

“Eu sou sócio fundador disso tudo, participei de coisas seminais nesse rock. Com Lulu, Ritchie, Marina, fiz a Blitz... Pô, não preciso de ninguém mais para contar essa história. É a minha história.” PERSONAGEM Esse protagonis­mo de Lobão muda um pouco a orientação do livro após seus capítulos iniciais, que contemplam com críticas ácidas uma cena prévia dos anos 1970 que influencia­ria o showbizz na década seguinte.

A partir daí, a dissertaçã­o das primeiras páginas passa a dividir espaço com o relato autobiográ­fico. Assim, o livro se torna alguma vezes redundante e, mais vezes, diga-se, complement­ar a sua estreia nas letras, “50 Anos a Mil”, de 2010.

“Os livros sobre o rock dos anos 1980 são feitos em função de Titãs, Paralamas e Legião. Quis mostrar que tem história além disso, e que sem essa história eles não existi- riam. O Renato [Russo] me disse várias vezes que, se não existisse a Blitz, a Legião nem teria vindo ao Rio gravar.”

Voltando a falar das gerações anteriores, ele ataca o programa que Caetano e Chico apresentar­am em 1986 na Globo. Segundo Lobão, em plena efervescên­cia do rock, o programa era acadêmico, antiquado. Em nove edições, exibiu apenas dois roqueiros: Cazuza e Paulo Ricardo.

“Aí Cazuza cantou Nelson Cavaquinho, e o pobre Paulo Ricardo cantou ‘London, London’... do Caetano! Quer dizer, para merecer um lugar na academia, no templo do samba luxuoso, um músico de rock tinha de fazer MPB.”

Lobão acredita que sobreviveu a uma vontade que muitos tinham de “enterrá-lo”. “Fiquei fora do filme do Cazuza, e era o melhor amigo dele! Mas ninguém reclamou. Quando fizeram homenagem a ele no Rock in Rio, Paulo Miklos e Maria Gadú cantaram ‘Vida Louca Vida’ como se fosse dele, mas é minha!” BATE E ASSOPRA O livro tem surpresas. Se a cada ano Lobão bate forte na produção de Caetano, Gil e Chico no período, em vários momentos elogia canções do repertório deles, mesmo detonando a sonoridade e a produção. O trecho em que fala do álbum “Uns”, lançado por Caetano em 1983, é exemplar esmerado de crítica musical.

“Eu falo bem daquilo que acho relevante, até dessas pessoas com quem tenho confrontos. Do mesmo modo, eu não alivio para meus amigos mais queridos. Sou crítico com o Julio Barroso, com a Marina, gente que eu amei.”

A vontade de criticar deve seguir no livro programado para o ano que vem, espécie de versão mais abrangente do guia recém-lançado.

“Vou de Chiquinha Gonzaga à Lei Rouanet. É uma trama muito maior que engloba a tropicália e a MPB. Vou falar do sertanejo universitá­rio que, sei por fontes lá de dentro, é lavagem de dinheiro de ruralistas do Congresso.”

Embora afirme enxergar bons artistas na cena atual, como Cachorro Grande e Far From Alaska, ele abomina nomes dominantes na nova geração, como Wesley Safadão e Anitta. “Wesley Safadão é uma deformidad­e. Rola uma junção de sertanejo, funk e pagode, o que há de pior. A coreografi­a é simiesca!” VOLTA AO ESTÚDIO Surpreso com a qualidade que encontrou na produção do rock dos anos 1980, fez questão de rechear o livro com letras de canções da época. E pretende regravar várias dessas músicas.

“Estou trabalhand­o em ‘Virgem’, da Marina. Vou fazer música do Lulu, ‘Menina Veneno’, ‘Toda Forma de Poder’, dos Engenheiro­s, coisas dos Titãs e da Legião. Quero cantar ‘Lanterna dos Afogados’, dos Paralamas. Quero fazer um show. Depois quem sabe um disco, se todo mundo permitir as regravaçõe­s.”

Destacada voz pelo impeachmen­t de Dilma Rousseff nas redes sociais, Lobão revela certo desalento para entrar no assunto política.

“O Temer está sendo golpeado. Mesmo se fez falcatrua, se está todo ligado à rede de corrupção, respeitem a interinida­de. A economia pela primeira vez tem inflação negativa, depois de 11 anos. Então deixem o cara terminar. Não estou torcendo por ninguém, há o interesse da nação.”

Ele se diz desanimado para acompanhar as investigaç­ões da Lava Jato. “Eu estou sem saco. Dez anos depois do mensalão, o que aconteceu?” AUTOR Lobão EDITORA Leya QUANTO R$ 59,90 (496 págs.) LANÇAMENTO quinta (13), às 19h30, no teatro Unibes Cultural, r. Oscar Freire, 2.500

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