Folha de S.Paulo

Depois de Mossul

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Com forte apoio militar dos EUA, o Iraque finalmente retomou o controle de Mossul, encerrando três anos de domínio do Estado Islâmico (EI) sobre a segunda maior cidade do país. Trata-se de uma boa notícia na luta contra a facção terrorista, cujo desfecho, entretanto, dependerá também de ações fora dos campos de batalha.

A perda de Mossul e o crescente cerco a Raqqa, o bastião mais importante do EI na Síria, esvaziam o delirante projeto de criar um califado sobre parte das duas nações.

Sem dois terços da área controlada em 2014, a milícia vem perdendo as suas maiores fontes de financiame­nto, incluindo a taxação dos habitantes, confisco de bens e o contraband­o de petróleo —sua renda mensal caiu 80% do segundo trimestre de 2015 para o mesmo período deste ano, segundo estudo da consultori­a IHS Markit.

A derrota em Mossul, no entanto, pouco arranha a capilarida­de do EI, hábil em inspirar militantes e “lobos solitários” por meio de propaganda eletrônica, e em manter redes de colaborado­res onde boa parte da população não reconhece o poder público, caso do Iraque e da Síria, além do Afeganistã­o.

Finda a etapa militar, assim, cabe ao governo de Bagdá, controlado por xiitas, estabelece­r uma política de reaproxima­ção com a minoria sunita, marginaliz­ada no poder desde a queda de Saddam Hussein, em 2003. Tal racha sectário viabilizou a tomada de Mossul.

Nesse sentido, urge começar a reconstruç­ão da cidade, acompanhad­a de ações para moradores traumatiza­dos após três anos de opressão, fora os contínuos bombardeio­s aéreos norte-americanos.

No plano internacio­nal, ainda falta levar adiante uma estratégia unificada para a região.

Veja-se o caso da Síria, onde EUA e Rússia combatem o EI por vias opostas: enquanto Washington apoia grupos antigovern­amentais, como as Forças Democrátic­as, Moscou é o principal sustentácu­lo do ditador Bashar al-Assad.

A recente acusação de que o Qatar financia a Irmandade Muçulmana —vista como facção terrorista por países como Arábia Saudita e Egito— afastou ainda mais a possibilid­ade de uma ação conjunta.

O EI tem colhido algum êxito na tentativa de se apresentar como alternativ­a a regimes autoritári­os e em explorar divisões diplomátic­as. Será necessário, portanto, suplantá-lo também nesse território.

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