Folha de S.Paulo

Juiz fala em ‘prudência’ e não decreta prisão

Mandar prender um ex-presidente envolveria ‘certos traumas’, afirma Moro na sentença, que traz críticas à defesa

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Lula também pagará multa e ficará proibido de ocupar cargo público se a segunda instância confirmar decisão

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado, nesta quarta (12), a 9 anos e 6 meses de prisão pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP).

A sentença do juiz Sergio Moro é a primeira condenação criminal do petista, que ainda responde a mais quatro ações.

Lula, 71, não será preso — pelo entendimen­to do Supremo Tribunal Federal, só cumprirá a pena se a segunda instância ratificar a decisão.

Moro chegou a afirmar na sentença que “caberia cogitar” o decreto imediato de prisão, diante do comportame­nto de Lula de tentar intimidar autoridade­s e da orientação para a destruição de provas.

O juiz, porém, afirmou que a detenção de um ex-presidente “não deixa de envolver certos traumas” e que a “prudência” recomenda que se aguarde a segunda instância.

Moro também condenou Lula ao pagamento de multa equivalent­e a R$ 670 mil e o proibiu de ocupar cargo ou função pública pelo dobro do tempo da condenação —o que também só valerá com a confirmaçã­o da sentença. Uma determinaç­ão de sequestro do apartament­o, porém, tem efeito imediato.

Ele poderá recorrer em liberdade ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com sede em Porto Alegre. O tribunal leva, em média, um ano e quatro meses para concluir a análise das sentenças de Moro.

Caso a confirmaçã­o da sentença não aconteça antes da eleição de outubro de 2018, ele não será enquadrado na Lei da Ficha Limpa e poderá ser candidato. Na última pesquisa Datafolha, em junho, Lula aparece liderando a disputa para a Presidênci­a. PROVAS Na ação, Lula foi acusado de receber R$ 3,7 milhões de propina da empreiteir­a OAS em decorrênci­a de contratos da empresa com a Petrobras. O valor, apontou a acusação, se referia à cessão pela construtor­a do tríplex ao ex-presidente, a reformas feitas pela construtor­a nesse imóvel e ao transporte e armazename­nto de seu acervo presidenci­al.

Moro absolveu o ex-presidente na acusação sobre o acervo, pois entendeu que não havia provas de intenção criminosa nesse caso.

Para o juiz, porém, Lula tinha “um papel relevante no esquema criminoso” da Petrobras, já que cabia a ele indicar os diretores da estatal. Moro considerou “falsos” os álibis invocados por sua defesa, que sustenta que o tríplex jamais esteve no nome do petista.

O magistrado diz que há provas documentai­s e testemunha­is “conclusiva­s” sobre a propriedad­e, que confirmam SERGIO MORO que o apartament­o “foi atribuído ao ex-presidente e sua esposa desde o início”.

Entre as provas listadas por Moro, estão anotações e rasuras em documento apreendido na casa de Lula, que fazem menção ao tríplex; informaçõe­s da OAS que indicam que o imóvel estava “reservado”; as extensivas reformas do apartament­o; e a omissão do casal em declarar se desistia ou não do apartament­o depois que a OAS assumiu a construção, em 2009.

Sobre a origem ilícita do dinheiro, o magistrado cita depoimento do empreiteir­o Léo Pinheiro, sócio da OAS, que diz que descontava os valores investidos no tríplex da conta-corrente de propinas do PT junto à empresa.

Segundo o juiz, foi “um crime de corrupção complexo e que envolveu a prática de diversos atos em momentos temporais distintos”. GUERRA JURÍDICA Na sentença, Moro ainda afirmou que a condenação “não traz qualquer satisfação pessoal”. “É de todo lamentável que um ex-presidente da República seja condenado criminalme­nte, mas a causa disso são os crimes por ele praticados e a culpa não é da regular aplicação da lei”, escreveu.

O juiz citou um ditado em inglês: “Não importa o quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você”.

Moro também negou que tenha promovido uma “guerra jurídica” contra Lula.

Segundo ele, a condução coercitiva de Lula e a liberação de áudios de conversas com a ex-presidente Dilma Rousseff, ambas em 2016, foram feitas “no exercício regular da jurisdição”.

Para Moro, as alegações de “lawfare” por parte da defesa de Lula são “um rematado exagero”. “No fundo, portanto, é mais uma tentativa de diversioni­smo em relação ao mérito da acusação e de apresentar o ex-presidente como vítima de uma ‘guerra jurídica’ inexistent­e”, afirmou. OUTROS RÉUS O Ministério Público Federal vai pedir o aumento da pena de Lula. Foram condenados ainda na ação, Léo Pinheiro e o ex-executivo da OAS Agenor Franklin Medeiros.

O juiz absolveu, no entanto, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, que providenci­ou o transporte do acervo; e os ex-funcionári­os da OAS Paulo Gordilho, Fábio Yonamine e Roberto Ferreira.

Segundo Moro, houve “falta de prova de dolo”, no caso dos executivos; e “falta de materialid­ade”, no caso de Okamotto. A ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta em fevereiro, também era ré no processo, mas teve a punibilida­de extinta.

(ESTELITA HASS CARAZZAI E FELIPE BÄCHTOLD)

É de todo lamentável que um ex-presidente da República seja condenado criminalme­nte, mas a causa disso são os crimes por ele praticados [Há] táticas bastante questionáv­eis, como de intimidaçã­o do ora julgador

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