Folha de S.Paulo

Dose interpreta­tiva marca sentença de Moro

Sem prova documental de elo entre caso Petrobras e favores a Lula, juiz usa fórmula comum em casos de corrupção

- FLÁVIO FERREIRA

A grande questão dos processos penais que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é como interpreta­r juridicame­nte os benefícios pessoais que ele recebeu de empresas acusadas no esquema da Petrobras.

Esse tema é o principal porque já há na Operação Lava Jato farta documentaç­ão que mostra a corrupção das companhias para ganhar contratos da estatal, bem como indícios dos favorecime­ntos ao ex-presidente e sua família.

A maior dificuldad­e é estabelece­r uma relação de causa e efeito entre essas duas situações de fato.

Na sua sentença desta quarta-feira (12), o juiz Sergio Moro faz essa ligação usando o argumento de que a “explicação única” para o beneficiam­ento promovido pela OAS no caso do tríplex em Guarujá é o “acerto de corrupção decorrente em parte dos contratos com a Petrobras”.

Segundo Moro, Lula não conseguiu no curso do processo apresentar “causa lícita” para o favorecime­nto concedido pela empreiteir­a.

Essa argumentaç­ão deixa evidente que foi bem nesse ponto fundamenta­l que a Procurador­ia não conseguiu obter prova documental que pudesse fortalecer a acusação.

Mas isso não é incomum em grandes casos de corrupção. Em geral, quem ocupa altos escalões da administra­ção pública ou de empresas toma cuidados redobrados para não deixar digitais.

É muito difícil que um empresário corrupto fale explicitam­ente ou troque mensagens sobre vantagens ilegais com agentes públicos graduados.

Como disse um ex-dirigente de uma grande companhia pagadora de propinas, isso é considerad­o até “deselegant­e” por essas pessoas.

Ante a ausência de prova documental sobre o vínculo entre corrupção na Petrobras e beneficiam­ento a Lula, alguns especialis­tas em direito acreditava­m que Moro poderia explicitar o uso da “teoria do domínio do fato” empregada no caso do mensalão.

Segundo essa tese, um líder de quadrilha pode ser condenado pelos crimes praticados por seus subordinad­os mesmo que não tenha conhecimen­to total sobre a atuação delituosa deles.

Ao não invocar a teoria, Moro evitou os ataques sobre as incertezas que muitas vezes acompanham as decisões fundamenta­das nessa tese.

Porém, o saldo da sentença é o de que, a exemplo do mensalão, o desfecho do caso relativo a Lula terá uma grande dose interpreta­tiva.

Chama a atenção o fato de Moro ter usado em sua sentença o próprio depoimento do líder petista para atribuir relevância ao ex-presidente no esquema da Petrobras.

Na ocasião, Moro perguntou se a palavra final sobre a indicação de diretores da Petrobras para aprovação pelo conselho da estatal era da Presidênci­a da República.

Lula respondeu bem ao seu estilo: “Era, porque senão não precisava ter presidente”.

Moro usou estratégia semelhante ao do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa no julgamento do mensalão.

Naquela causa, Barbosa deu ênfase ao depoimento do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, no qual ele reconheceu ter sido o responsáve­l pela articulaçã­o política no primeiro mandato de Lula.

Ao fazer isso, Barbosa conseguiu deixar a seguinte pergunta na cabeça dos outros julgadores: se o mensalão era sobre compra de apoio partidário, como Dirceu não teria participad­o desse crime?

A sentença de Moro propõe uma questão com a mesma lógica. O futuro de Lula depende agora de como ela será respondida pelo tribunal julgador de seu recurso.

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