Dose interpretativa marca sentença de Moro
Sem prova documental de elo entre caso Petrobras e favores a Lula, juiz usa fórmula comum em casos de corrupção
A grande questão dos processos penais que envolvem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é como interpretar juridicamente os benefícios pessoais que ele recebeu de empresas acusadas no esquema da Petrobras.
Esse tema é o principal porque já há na Operação Lava Jato farta documentação que mostra a corrupção das companhias para ganhar contratos da estatal, bem como indícios dos favorecimentos ao ex-presidente e sua família.
A maior dificuldade é estabelecer uma relação de causa e efeito entre essas duas situações de fato.
Na sua sentença desta quarta-feira (12), o juiz Sergio Moro faz essa ligação usando o argumento de que a “explicação única” para o beneficiamento promovido pela OAS no caso do tríplex em Guarujá é o “acerto de corrupção decorrente em parte dos contratos com a Petrobras”.
Segundo Moro, Lula não conseguiu no curso do processo apresentar “causa lícita” para o favorecimento concedido pela empreiteira.
Essa argumentação deixa evidente que foi bem nesse ponto fundamental que a Procuradoria não conseguiu obter prova documental que pudesse fortalecer a acusação.
Mas isso não é incomum em grandes casos de corrupção. Em geral, quem ocupa altos escalões da administração pública ou de empresas toma cuidados redobrados para não deixar digitais.
É muito difícil que um empresário corrupto fale explicitamente ou troque mensagens sobre vantagens ilegais com agentes públicos graduados.
Como disse um ex-dirigente de uma grande companhia pagadora de propinas, isso é considerado até “deselegante” por essas pessoas.
Ante a ausência de prova documental sobre o vínculo entre corrupção na Petrobras e beneficiamento a Lula, alguns especialistas em direito acreditavam que Moro poderia explicitar o uso da “teoria do domínio do fato” empregada no caso do mensalão.
Segundo essa tese, um líder de quadrilha pode ser condenado pelos crimes praticados por seus subordinados mesmo que não tenha conhecimento total sobre a atuação delituosa deles.
Ao não invocar a teoria, Moro evitou os ataques sobre as incertezas que muitas vezes acompanham as decisões fundamentadas nessa tese.
Porém, o saldo da sentença é o de que, a exemplo do mensalão, o desfecho do caso relativo a Lula terá uma grande dose interpretativa.
Chama a atenção o fato de Moro ter usado em sua sentença o próprio depoimento do líder petista para atribuir relevância ao ex-presidente no esquema da Petrobras.
Na ocasião, Moro perguntou se a palavra final sobre a indicação de diretores da Petrobras para aprovação pelo conselho da estatal era da Presidência da República.
Lula respondeu bem ao seu estilo: “Era, porque senão não precisava ter presidente”.
Moro usou estratégia semelhante ao do ex-ministro do STF Joaquim Barbosa no julgamento do mensalão.
Naquela causa, Barbosa deu ênfase ao depoimento do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, no qual ele reconheceu ter sido o responsável pela articulação política no primeiro mandato de Lula.
Ao fazer isso, Barbosa conseguiu deixar a seguinte pergunta na cabeça dos outros julgadores: se o mensalão era sobre compra de apoio partidário, como Dirceu não teria participado desse crime?
A sentença de Moro propõe uma questão com a mesma lógica. O futuro de Lula depende agora de como ela será respondida pelo tribunal julgador de seu recurso.