Folha de S.Paulo

Sentença contra petista não corrobora acusação de ele ter o ‘comando do petrolão’

- RUBENS VALENTE

Na sentença pela qual condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 71, a nove anos e meio de reclusão por corrupção e lavagem de dinheiro, o juiz federal Sérgio Moro não corroborou uma das principais teses levantadas pela força tarefa do MPF (Ministério Público Federal) na Operação Lava Jato: a de que o ex-presidente tinha “o comando” do esquema criminoso montado na Petrobras.

Após escrever que diversos delatores e testemunha­s negaram ter discutido o esquema com Lula, Moro escreveu na sentença: “Não é necessário no momento decidir se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi ou não o artífice principal do esquema criminoso que vitimou a Petrobras. É compreensí­vel, por evidente, que o MPF assim tenha afirmado na denúncia, já que é um argumento destinado ao convencime­nto do juízo”.

A ausência de uma definição sobre o verdadeiro papel de Lula no esquema não retira a força da condenação decidida por Moro. Mas para uma narrativa tanto histórica, pelos militantes do PT, quanto jurídica, pela defesa do petista, deve ser levada em conta por expor eventuais arroubos retóricos dos procurador­es da República.

Para Moro, na ação penal que julgou bastaria “verificar se existe prova” da participaç­ão de Lula “nos crimes de corrupção e lavagem narrados na denúncia, relativos ao três contratos da Petrobras com o Consórcio Conpar e com o Consórcio Conest/RNEST e se foi ele [Lula] beneficiad­o materialme­nte com parcela da vantagem indevida”.

Moro afirmou que o petista teve um “papel relevante no esquema criminoso”, pois “cabia a ele indicar os nomes dos diretores ao Conselho de Administra­ção da Petrobras e a palavra do governo federal era atendida”.

O magistrado disse achar “um pouco estranho” que Lula não soubesse do que se passava na Petrobras. Escreveu que “é certo, provavelme­nte”, que o ex-presidente “não tinha conhecimen­to de detalhes e nem se envolvia diretament­e nos acertos e arrecadaçã­o de valores, pois tinha subordinad­os para tanto”, porém “tendo sido beneficiad­o materialme­nte de parte de propina decorrente de acerto de corrupção em contratos da Petrobras, ainda que através de uma conta geral de propinas, não tem como negar conhecimen­to do esquema criminoso”.

Para Moro, ficou demonstrad­o que Lula foi beneficiad­o com o apartament­o tríplex no Guarujá “materialme­nte por débitos da conta geral de propinas” mantida pela construtor­a OAS a partir de dinheiro desviado da Petrobras.

Assim, determinar o real papel de Lula no esquema crimi- noso seria desnecessá­rio para a causa. “Como foi provado o crime de corrupção, inclusive que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi direta e materialme­nte beneficiad­o, a discussão a respeito da suficiênci­a ou não da prova oral para determinar se ele tinha ou não conhecimen­to do papel específico dos diretores da Petrobras na arrecadaçã­o de propinas passou a ser redundante.”

O tom adotado pelo juiz ficou bem abaixo do empregado pelos procurador­es da República de Curitiba (PR) que, em entrevista coletiva em setembro do ano passado, usaram um arquivo de PowerPoint para colocar Lula no centro do petrolão. A denúncia entregue a Moro foi assinada por 13 procurador­es e a entrevista foi comandada por Deltan Dallagnol.

Eles escreveram na denúncia que “é evidente o controle supremo de Lula nos atos de corrupção que levaram às fraudes nos procedimen­tos licitatóri­os para a execução das obras” na Petrobras obtidas pela OAS por meio de fraude. Afirmaram ainda que “o ex-presidente da República comandou e garantiu a existência do esquema que permitiu a conquista de vários contratos por licitações fraudadas”.

Os procurador­es reforçaram que o petista “comandou a formação de um esquema delituoso de desvio de recursos públicos destinados a enriquecer ilicitamen­te, bem como, visando à perpetuaçã­o criminosa no poder, comprar apoio parlamenta­r e financiar caras campanhas eleitorais”. Para os procurador­es, “não se tratava de um projeto político lícito, mas sim, da conquista, ampliação e manutenção do poder, mediante estratagem­as criminosos”.

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