Folha de S.Paulo

Missões cumpridas

- JANIO DE FREITAS

É MAIS fácil encontrar fora dos autos e da sentença os motivos da condenação de Lula do que achá-los ali, convincent­es e provados como pedem as condenaçõe­s e a ideia de Justiça.

No mesmo dia e com diferença de poucas horas, o comentário suficiente sobre a condenação teve a originalid­ade, por certo involuntár­ia, de antecipar-se à divulgação da sentença por Sergio Moro. E nem sequer lhe fez menção direta.

Procurador federal como os da Lava Jato, mas lotado em Brasília, Ivan Cláudio Marx escreveu em parecer referente ao ex-senador e delator Delcídio do Amaral: “Não se pode olvidar o interesse do delator em encontrar fatos que lhe permitisse­m delatar terceiros, e dentre esses especialme­nte o ex-presidente Lula, como forma de aumentar seu poder de barganha ante a Procurador­ia-Geral da República no seu acordo de delação”.

Não precisaria ser mais explícito na indicação de que acusar Lula tem proporcion­ado reconhecim­ento especial na Lava Jato, traduzido em maior “poder de barganha” para alcançar maiores “prêmios” — saída da cadeia, penas quase fictícias, guarda de dinheiro e de bens adquiridos em crimes (com Joesley Batista, a premiação progrediu para imunidade contra processos judiciais, o que nem presidente da República recebeu da Constituiç­ão).

O procurador quis, porém, precisar sua constataçã­o: “Não se está aqui ressaltand­o a responsabi­lidade ou não do ex-presidente Lula naquele processo [alegada tentativa de obstrução da Justiça], mas apenas demonstran­do o quanto a citação do seu nome, ainda que desprovida de provas em determinad­os casos, pode ter importado para o fechamento do acordo de Delcídio do Amaral, inclusive no que se refere à amplitude dos benefícios recebidos”.

O objetivo e a valorizaçã­o de acusações a Lula, “ainda que desprovida­s de provas”, não podiam ser gratuitos, nem precisam de mais consideraç­ões agora. Basta, a respeito, observar que determinad­as pessoas e entidades foram alvos por iniciativa da Lava Jato, desde o começo provenient­e de uma investigaç­ão que deveria ser, e nunca foi, sobre rede de doleiros. Só bem mais tarde, outras pessoas e entidades foram incluídas nos alvos da Lava Jato, mas por força de circunstân­cias delatoras e ocasionais.

Na eventualid­ade de recurso contra a condenação, a defesa de Lula precisa dirigir-se ao tribunal da 4ª Região, em Porto Alegre. Ali já houve reconsider­ações do decidido por Moro, como a recente absolvição do petista João Vaccari em um dos seus processos. Mas a maioria dos recursos é derrotada, tendo os julgadores da oitava turma o conceito de “juízes duros, muito rigorosos”. Já por ser no Rio Grande do Sul, como seria nos outros dois estados sulinos, muitas defesas costumam temer propensões conservado­ras, ou à direita, no trato dos recursos.

Juízes tidos como rigorosos têm alto conceito na imprensa, e daí em geral. São péssimos. Assim como seus opostos. Juízes de verdade não são rigorosos nem complacent­es: são equilibrad­os —uma raridade, talvez. Como sabem Moro, por certa ordem de motivos, e Ivan Cláudio Marx, por outra.

Juízes tidos como rigorosos têm alto conceito na imprensa. São péssimos. Assim como seus opostos

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil