Folha de S.Paulo

ANÁLISE Escândalo mina liderança dos EUA e alimenta plano da Rússia

- DAVID ROTHKOPF

O caso dos e-mails de Donald Trump Jr. pode ser visto nos EUA como um reality show bizarro, mas que tem consequênc­ias. No exterior, os observador­es internacio­nais perguntam se o drama todo pode afetar a capacidade de liderança do país.

O escândalo foi revelado quando muitos estrangeir­os ainda estavam em choque pela performanc­e de Donald Trump em sua visita à Polônia e na cúpula do G20.

O republican­o atacou seu antecessor, Barack Obama, os serviços de inteligênc­ia dos EUA e a mídia, dando cobertura a um governo polonês de tendência cada vez mais autoritári­a.

Em Hamburgo, Trump foi essencialm­ente deixado de lado, sem participar de um acordo comercial importante, das discussões climáticas e do comunicado final.

A pergunta mais importante é se o recuo dos EUA em relação ao papel de liderança global sinaliza uma mudança mais duradoura. Quem acompanha os escândalos em Washington se pergunta se eles vão deixar Trump e o país mais fracos.

O encontro estranho do presidente com o líder russo, Vladimir Putin, deixou mais claro que Moscou não quer melhorar a percepção que os outros têm dos EUA.

O americano passou a impressão de ser fraco e perdido. Isso se agravou quando os russos deram declaraçõe­s para solapar a imagem de Trump, enquanto este parecia fazer de tudo e mais um pouco para agradá-los.

É evidente que o encontro foi apenas o capítulo mais recente de uma missão para enfraquece­r os EUA e a aliança atlântica. O caso dos e-mails nos lembra mais uma vez que o objetivo da Rússia não foi eleger Trump, mas enfraquece­r os EUA.

Putin se beneficia da paralisia que os escândalos vão causar. E Trump ou pelo menos alguns que o cercam devem estar começando a entender o que acontece com idiotas úteis quando eles deixam de sê-lo.

Mas é claro que o Kremlin não é o único a se beneficiar do recuo da liderança global. O cessar-fogo na Síria negociado em Hamburgo não ajuda na meta de derrotar o Estado Islâmico, mas dá benefícios inequívoco­s ao regime sírio e ao Irã.

Também os países do Golfo Pérsico estão acelerando a formulação de uma política na qual os EUA parecem não passar de um observador externo e confuso.

A Coreia do Norte sabe que, se tiver mísseis capazes de alcançar os EUA e ogivas nucleares suficiente­s para frustrar esforços para desarmá-la, sua influência vai crescer imensurave­lmente.

Seria ingenuidad­e deixar de ver que, à medida que o escândalo Trump-Rússia se aprofunda, as potências o encarem como uma força que está impelindo um deslocamen­to geopolític­o.

A mensagem transmitid­a ao mundo é que a superpotên­cia única do planeta está distraída e com as mãos amarradas. Cabe ao povo americano e aos líderes que emergirem conter os danos.

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