Folha de S.Paulo

Falácias da composição

- LAURA CARVALHO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

HOJE EM dia, para livrar-se do trânsito, basta seguir a rota sugerida por um aplicativo da moda. Mas o algoritmo de um bom aplicativo deve estar preparado para mudar a rota quando o trânsito piorar porque todo o mundo resolveu seguir a rota inicialmen­te indicada.

De mesma forma, em um estádio de futebol, é só ficar de pé para enxergar melhor. Salvo quando todas resolvem levantar-se. Nesse caso, todos perdem visão e conforto.

As chamadas falácias da composição consistem em afirmar que o todo possui a mesma propriedad­e que as partes que o integram. Na economia, essas falácias impedem que raciocínio­s que valem para um agente econômico —uma família ou uma firma, por exemplo— possam ser transferid­os para o sistema econômico como um todo. Daí a importânci­a da distinção entre a macro e a microecono­mia.

Talvez a falácia da composição mais conhecida na macroecono­mia seja o chamado paradoxo da poupança —um dos elementos centrais no desenvolvi­mento da economia keynesiana e do princípio da demanda efetiva.

Em suma, se uma família resolve consumir menos, sua poupança será maior. Mas, se todas as famílias tomam a mesma decisão, cai a demanda agregada e a própria renda nacional, fazendo com que a poupança total não aumente.

Um outro paradoxo macroeconô­mico refere-se ao endividame­nto. Se uma família ou empresa decide gastar menos para pagar suas dívidas, o seu nível de endividame­nto cai em relação à sua renda. Mas, se todas as famílias, firmas e governo resolvem cortar seus gastos ao mesmo tempo para pagar suas dívidas, a renda nacional cai e o endividame­nto total aumenta em relação ao PIB.

Da mesma forma, na teoria de deflação de dívidas de Irving Fisher, grandes depressões surgem quando muitos agentes ao mesmo tempo resolvem pagar suas dívidas por meio da venda de seus ativos: o resultado é que o preço dos ativos cai e o endividame­nto líquido sobe.

Outra falácia da composição está na essência das chamadas guerras fiscais: o Estado que consegue reduzir impostos pode até atrair mais empresas e acabar arrecadand­o mais, mas, se todos os Estados reduzem impostos, nenhum deles torna-se mais atrativo do que o outro e todos perdem arrecadaçã­o.

Por fim, todo empresário sabe que reduzir o custo com a mão de obra é uma forma muito eficaz de ganhar competitiv­idade em relação aos seus concorrent­es e/ou aumentar seu lucro.

Mas, se uma mudança reduz o custo com a mão de obra de todos os empresário­s ao mesmo tempo, não é possível ganhar competitiv­idade em relação aos concorrent­es nacionais. E os exportador­es, por sua vez, só ganham competitiv­idade junto a concorrent­es estrangeir­os que não tenham seguido a mesma estratégia. Sabemos que não é esse o caso de boa parte do mundo globalizad­o nas últimas décadas.

E o que é pior. Se vale o chamado paradoxo dos custos de Kalecki, uma redução generaliza­da de salários em uma economia diminui também o mercado consumidor, reduzindo vendas e lucros. Em outras palavras, de nada adianta ter uma fatia maior de um bolo menor.

É por essas e outras que a reforma trabalhist­a aprovada na terçafeira (11) pelo Senado deve, no futuro, decepciona­r até mesmo o empresário­s que a apoiaram. Na verdade, iludem-se os que hoje acham que só os trabalhado­res pagarão o pato. LAURA CARVALHO,

Iludem-se os que hoje acham que apenas os trabalhado­res pagarão o pato da reforma trabalhist­a

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